Artista têxtil Nara Guichon abre mostra "O Mar que Não Vemos" em Porto Alegre

Artista têxtil Nara Guichon abre mostra "O Mar que Não Vemos" em Porto Alegre

Exposição no Jardim Lutzenberger faz alusão ao Dia Mundial do Meio Ambiente

Correio do Povo

Em um trabalho que tem como base o reaproveitamento e a ressignificação de redes recolhidas do mar de Florianópolis (SC), onde reside, Nara utiliza plásticos, tecidos rejeitados pela indústria têxtil e roupas descartadas. Na imagem, a obra "Cipó".

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A Casa de Cultura Mario Quintana/CCMQ (Andradas, 736) marca as comemorações do Dia Mundial do Meio Ambiente com a exposição “O mar que não vemos”, da artista têxtil, designer e ambientalista Nara Guichon, no Jardim Lutzenberger, localizado no 5º andar da instituição.  A abertura acontece neste sábado, às 16h, e a visitação segue até 31 de julho, diariamente, das 10h às 18h. 

 “O mar que não vemos” aponta tanto para a matéria-prima fundamental da artista, como para o elemento responsável por cerca de 40% da poluição dos oceanos: as redes de pesca. Em um trabalho que tem como base o reaproveitamento e a ressignificação desses materiais, além das redes recolhidas do mar de Florianópolis (SC), onde reside, Nara utiliza plásticos, tecidos rejeitados pela indústria têxtil e roupas descartadas.

O processo criativo da artista começa com o recolhimento de restos de redes de pesca, cuidadosamente lavados apenas água e sabão natural. Após este processo, o material é tingido com pigmentos naturais, limalha de ferro, cúrcuma, casca de cebola, erva mate, vinagre, fogo, água e terra. Estruturas polimorfas são criadas, utilizando-se da costura manual e do trabalho de fios, arames galvanizados e redes. O trabalho final dialoga com formas da natureza como cipós e troncos.

A exposição de Nara Guichon exalta os 50 anos da Conferência de Estocolmo (1972), que definiu a data de 5 de junho como Dia Mundial do Meio Ambiente. Na principal data da Organização das Nações Unidas (ONU) voltada à conscientização da população mundial em favor das ações ambientais, a CCMQ se engaja à agenda internacional, unindo o apelo da arte engajada de Nara Guichon ao legado do engenheiro agrônomo e ecologista José Lutzenberger (1926–2002), que dá nome a um dos espaços mais emblemáticos do complexo cultural.

“O mar que não vemos” faz eco ao alerta de emergência climática sem precedentes enfrentada pelo planeta, em decorrência não apenas dos altos níveis de gás metano e de monóxido de carbono presentes na atmosfera, mas também do consumo desenfreado, que produz milhares de toneladas diárias de materiais descartados como lixo. De modo crítico e poético, a intervenção aponta as consequências dos ciclos de consumo e modismo dos países ricos, que descartam toneladas de rejeitos nos países pobres.

Nara Guichon apresenta trabalhos inéditos que assinalam o amadurecimento poético da artista. Combinando os materiais recolhidos à reconhecida experiência artesanal, de mais de cinco décadas dedicadas ao trabalho têxtil, expressa o empenho perseverante e contínuo de sua ode ao meio ambiente.

Entre fios e ecologia: o enleio natural de Nara Guichon

Nascida em 1955, em Santa Maria, Nara Guichon lembra que se aproximou pela primeira vez de novelos de lã e agulhas de tricô quando tinha quatro anos de idade. Aos nove, produziu e vendeu a primeira peça. A artista recorda que, por volta dos dez anos, ajudando a avó, que queimava folhas no jardim, sentia que algo ali não estava certo.

As práticas manuais e a intuição ambiental se tornaram marcantes no trabalho que subvertia pontos e padrões, associando a técnica ao patchwork, inserindo retalhos de tecelagem e mesclas com peças de crochê. Já no tear manual, depurando os fios e produzindo artefatos em design que utilizavam algodão orgânico, sementes, cascas e miçangas de coco e, principalmente, redes de pesca descartadas, Nara Guichon consolida a identidade de sua arte.

Residindo no sul da Ilha de Santa Catarina, em 1998, diante não apenas do lixo que chegava às praias, mas de uma enorme quantidade de restos de redes de pesca de poliamida desgastadas pelo uso, Nara se apropria desse material. O processo de transmutação desenvolvido naquele momento se mantém na rotina acurada de lavagem, depuração e corte das redes, uso de técnicas de oxidação e pigmentação natural.

Nesse decurso, a artista adota pó de ferro, fogo, água, terra e, claro, o tempo. Também recorre às ervas, às flores e às cascas de vegetais da mata, utilizando corantes naturais extraídos de plantas como erva-mate, urucum, crajiru e Pau-Brasil.

Muitas das peças desenvolvidas no ateliê de Nara Guichon, além das redes de pesca e das plantas diversas para tingimento, utilizam sobras de algodão e outras fibras naturais rejeitadas pela indústria têxtil. A artista também desenvolve trabalhos em “ecoprint”, a impressão botânica, a partir de plantas e flores locais, sempre atenta ao reaproveitamento, à sustentabilidade, ao consumo consciente e ético, à valorização do saber artesanal e ao respeito ao meio ambiente.

Um dos projetos mais importantes da artista, designer e ambientalista é o “Águas limpas”, que articula o uso das redes de pesca descartadas à recuperação da mata nativa. Materializado em sacolas e esponjas para limpeza ou esfoliação corporal feitas com as redes, a ação, em curso desde 2014, reverte cerca de 20% do lucro para projetos comunitários dedicados ao reflorestamento.

Um deles desenvolvido pela ONG Apremavi, Associação de Preservação do Meio Ambiente e da Vida, sediada no município de Atalanta, em Santa Catarina. Criada em 1987, a Apremavi realiza uma série de iniciativas para recuperação de áreas devastadas da Mata Atlântica. Nara Guichon é associada e colabora de modo contínuo e ativo com a entidade, desde 1988. Só em 2019, o projeto foi responsável pelo plantio de 3 mil mudas de árvores, numa ação de restauração desse importante bioma.


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