Debate antirracista ganha profundidade no Festival Internacional Literário de Gramado

Debate antirracista ganha profundidade no Festival Internacional Literário de Gramado

Autora cita problemas na organização do Filigram, que reconhece falhas e fala em aprendizado

Henrique Massaro

Kiusam de Oliveira é autora de livros infantis reconhecidos nacional e internacionalmente

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Com a proposta de debater o papel da literatura em momentos de transformação da sociedade, a primeira edição do Festival Internacional Literário de Gramado (FiliGram) teve um aprofundamento da discussão antirracista logo em seus primeiros dias. A iniciativa foi de uma das convidadas, a escritora Kiusam de Oliveira, que apontou o que considerou falhas da organização e falta de preparo do evento para receber escritores negros no município da Serra gaúcha. Kiusam é autora de "O mundo no black power de Tayó”, considerado um dos dez livros mais importantes do mundo na categoria Direitos Humanos pela ONU, entre outros livros infantis reconhecidos nacional e internacionalmente. Ela criticou, por exemplo, a pouca divulgação do seu nome e de sua foto entre os convidados do festival.

Havia somente cerca de 20 pessoas presentes no auditório principal do FiliGram, montado junto ao Lago Joaquina Rita Bier, durante a primeira fala da escritora no evento, no final da manhã de sábado. A mesa tinha como tema “O papel dos profissionais da educação na luta antirracista”, porém, não havia escolas com professores e estudantes no local. Nome importante na implementação da lei 10.639 de 2003 no país – que estabelece a obrigatoriedade da história e cultura afro-brasileira nas escolas – a autora contou que desde 1992 trabalha com formação de professores numa perspectiva antirracista, e que, em todos os municípios por onde passa, é recebida pelos profissionais e autoridades educacionais. “Não consigo imaginar que a educação deste lugar não esteja sabendo deste evento”, comentou a escritora. 

Antes de entrar no tema de sua fala, sobre a formação do pensamento das crianças e de como as infâncias são capturadas pelo olhar já imposto pela sociedade, Kiusam evidenciou, por exemplo, que sua foto e seu nome não estavam no Instagram oficial do evento, ou no telão do palco principal durante sua mesa, como foi feito com outros autores. A autora também disse que houve situações em que se sentiu desrespeitada desde que chegou em Gramado, na sexta-feira. “Isso é sintomatico do lugar mesmo, que não vê a questão negra ou o corpo negro como uma questão chave, central.” Ao fim de sua fala, a autora foi aplaudida de pé no auditório central, e recebeu um pedido de desculpas da organização. 

O coordenador de conteúdo do FIliGram, Fernando Gomes, reconheceu o esvaziamento da plateia durante a fala de Kiusam como sintomático do local onde o festival acontece: a Serra gaúcha. Após a palestra, ele subiu ao palco e afirmou que, apesar de todos os esforços para que o evento fosse o mais diverso possível, os principais organizadores ainda eram homens brancos, o que explica algumas das falhas apontadas. Segundo Gomes, para tentar diminuir possíveis erros de representatividade, a organização chamou curadores para pensarem nos eixos temáticos do FiliGram. Ele também atribuiu alguns dos erros citados pela autora e por outros convidados às dificuldades de se realizar um evento deste porte pela primeira vez, e disse que a fala da escritora serve como aprendizado para o restante do festival e para os próximos.

Paulo Scott lembrou que autores negros estão entre os mais vendidos atualmente. Dinarci Borges/FiliGram/CP

O debate antirracista seguiu em outras atividades do FiliGram. Na tarde de sábado, os escritores Taiasmin Ohnmacht e Paulo Scott participaram de uma mesa mediada pelo poeta Ronald Augusto, que tratou da importância de falar de cor e racismo na literatura. “A gente demora a perceber que cor que está desde sempre na literatura é a cor branca, e como a branquitude está super representada e outros fenótipos não, a gente pode falar que o racismo também está. Só falta nomear muitas vezes, e a literatura é excelente para dar nomes”, comentou Taiasmin, autora de “Vozes de retratos íntimos”. Já Augusto falou sobre o papel de escritores brancos no Brasil, que, segundo ele, tem o racismo como tema fundamental. “Me interessa que os autores brancos façam uma literatura branca crítica. O que significa ser branco? O que significa ter todos os privilégios?”, questionou.

Autor de “Marrom e Amarelo”, Scott disse que estamos num em que não somente autores negros estão sendo mais publicados, como estão entre os mais vendidos, mostrando o potencial da sua qualidade literária. Em entrevista ao Correio do Povo, o escritor falou ainda que a literatura produzida no Rio Grande do Sul de grande relevância para o restante do país, e que talvez os gaúchos não tenham a dimensão do quão importante e emblemático é Gramado estar sediando a primeira edição de um festival literário que tem como homenageado o poeta Oliveira Silveira, um dos idealizadores do Dia da Consciência Negra. “Imagino que construir um festival tão bonito, com uma proposta tão séria, aqui em Gramado, é um marco na literatura brasileira, e é também uma nova referência para o Brasil. Eu, de fato, torço para que essa iniciativa tão potente e tão poderosa permaneça."


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