Morre em Porto Alegre o livreiro Rui Diniz Gonçalves
Idealizador da Palmarinca, livraria com 48 anos de existência, sofreu acidente doméstico enquanto limpava telhado do estabelecimento
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O livreiro Rui Paulo Diniz Gonçalves, de 68 anos de idade, da Livraria Palmarinca (Jerônimo Coelho, 281), morreu na noite desse domingo, em Porto Alegre. Ele fazia a limpeza do telhado da livraria junto com o filho Alexandre Gonçalves quando se desequilibrou e caiu no telhado de uma churrascaria. A Palmarinca tem 48 anos de existência e se consolidou como tradicional livraria da Capital, sendo foco de resistência e de acesso a livros “proibidos” durante a ditadura militar. O velório terá lugar na manhã desta terça, a partir das 8h, na Capela 7 do Cemitério João XXIII e o sepultamento será realizado às 14h no local.
Formado em Jornalismo pela PUCRS, ele abriu a livraria foi aberta em 1972, tendo como abordagem principal as ciências humanas. O nome presta homenagem às resistências negra e indígena, com uma junção entre “Palmares” e “Inca”. Inicialmente, o acervo era formado por obras que seus pais mantinham em casa. Durante o regime, a livraria foi palco de encontros entre militantes e políticos. A clientela é formada por nomes como a ex-presidente Dilma Rousseff, o ex-presidente uruguaio José Mujica, os professores Flávio Loureiro Chaves e Sergius Gonzaga, o ex-governador Olívio Dutra, e outros.
Conforme o sociólogo, cientista político e professor César Beras, autor do livro “Palmarinca - Livros, Sentimentos, Capitalismo e Resistência (Evangraf, 2018), alusivo aos 45 anos da livraria, Rui era figura ímpar, um sonhador, com o humanismo de um grande leitor e que incentivava a leitura, sendo referência para todos que frequentavam a livraria e a sua banca diferenciada na Feira do Livro. “Queria ver o Rui bravo era falar de balcão. A banca dele era ele na frente, no contato direto, sem balcão. Às vezes, ele chegava num leitor conhecido, pegava um livro da estante e dizia ‘é isto que tu precisas’. Sempre apresentava alguma obra clássica ou essencial”, lembra César. Como amigo que era de Rui, César conta que eles tomavam cerveja às sextas-feiras com uma certa frequência e que Rui foi o incentivador para que ele fizesse a sua graduação, mestrado e doutorado. “Por vezes, eu precisava de livros e tinha pouca grana. Ele pegava o livro da estante e me emprestava, desde que eu devolvesse em bom estado. Era de uma generosidade que está em falta neste mundo.”
Para escrever o livro gestado numa destas conversas das sextas, em 2015, César fez 22 entrevistas com clientes e amigos e depoimentos do próprio Rui. Dos depoimentos do livro, o autor destaca o de Carlos Araújo: “A onda capitalista vai crescendo, mas vai deixando fissuras, várias fissuras e é nessas fissuras que está a Palmarinca” e o de Sergius Gonzaga: “Eu e mais uma centena, talvez milhares de porto-alegrensesguardamos a memória dessa livraria, não apenas como uma lufada de ar no meio da atmosfera do ponto de vista intelectual...”. Para César, a Palmarinca é um espaço de construção do conhecimento crítico e plural e do exercício da condição humana de se perder entre os livros e se encontrar neles. “Queríamos fazer edição atualizada do livro para os 50 anos e lançar em 2022. Editávamos livros juntos. A última vez que falamos foi em 31 de janeiro. Ninguém preencherá esta lacuna”, lamenta César.
O professor de teatro Hamilton Braga ressalta que Rui era uma pessoa leve, homem de memória prodigiosa, um incentivador da leitura e da vida literária no RS. “Na Feira do Livro, ele era uma referência. As pessoas acorriam a ele para saber se valia a pena ou não ler este ou aquele livro”, finaliza.