Pitty volta ao rock para retomar rotina de shows
Cantora se apresenta na capital no mês de agosto no Opinião
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Caderno de Sábado - O novo trabalho foi gestado de que forma? Ainda durante o Agridoce?
Pitty - Não, ele tomou forma mesmo e se tornou consistente depois que a turnê do Agridoce acabou; foi aí que eu tive tempo de organizar as ideias, escrever especificamente pra isso. Claro que tem coisas que ficam no ar e algumas sensações podem ter vindo desde antes, mas vejo esse disco como um capítulo pós-Agridoce mesmo.
CS - O álbum foi gravado ao vivo no estúdio. Essa foi uma opção desde o início do projeto?
P - Sim. No “Chiaroscuro” (disco anterior) já tínhamos gravado assim e no “SETEVIDAS” demos mais um passo adiante nesse método. Dessa vez foi ainda mais ao vivo se é que me entende, com zero de isolamento entre os instrumentos e inclusive os músicos tocando sem fone de ouvido, se ouvindo na sala mesmo, como num ensaio. É um desafio grande gravar dessa forma, a banda precisa estar ensaiada e disposta a tocar até todos acertarem o take, e a mixagem depois precisa ser mais cuidadosa e precisa para lidar com os vazamentos. Mas traz uma
CS - Uma das coisas que sempre observei no teu trabalho, e principalmente como letrista, é que você parece escrever diretamente pra quem te ouve, como alguém contando algo, mesmo sabendo o tom confessional delas. Em “Boca Aberta” tem o “eu quero minha vida de volta”. Como foi teu processo de composição?
P - O processo de composição se deu basicamente durante o ano de 2013 e muitas vezes era meu velho esquema: sozinha com o violão ou piano, papel e caneta. Outras já tinha o instrumental e arranjei com os meninos, e depois fui escrever. Nessa hora, da escrita, eu procuro me conectar com o inconsciente coletivo, com aquilo que é meu e também de todos nós, coisa de gente. Nossas idiossincrasias e pequenas minúcias, desejos, aflições. Tento me colocar como antena, captando coisas, somente à serviço desse inconsciente. Como o cavalo no terreiro ou como um vórtex: apenas instrumento de transmissão de algum sentimento que já está aí. É um paradoxo, porque é de certa forma egoísta e muito autobiográfico, mas só se realiza e faz sentido no coletivo. Acho que resumi meu desejo quando escrevi numa frase do disco anterior: “Eu queria era dizer diferente aquilo que todo mundo sente, mas não consegue explicar”.
CS - Uma das canções que mais gostei foi “Lado de Lá”, com o piano meio Faith No More. Me fala um pouco dela e de “Pequena Morte”.
P - É legal quando alguém tem as mesmas referências e saca as coisas: algumas pessoas ouviram e pensaram em Muse, mas eu também penso muito mais em FNM e em Nina Simone em relação a essa música. “Lado de Lá” é um réquiem, uma homenagem, uma despedida. E acima de tudo isso, uma pergunta. Foi muito difícil escrever essa música e não sei como e se vou conseguir tocá-la ao vivo. Já “Pequena Morte” era uma base que eu e Martin tínhamos feito aqui em casa havia um tempo e eu resolvi botar letra. Queria que ela tivesse uma pegada de blues, de sinuosidade e a batida já remete a uma coisa de bicho, de instinto. Senti que ela precisava de uma letra que endossasse essa sensualidade e me veio a imagem dessa mulher meio “dominatrix”, dona de seus desejos e da sua própria “pequena morte”, que é como os franceses se referem ao orgasmo. Imagino essa cena, a dessa mulher chegando num clube enfumaçado, reconhecendo e cercando sua presa, e recuando, e dando mais um passo e esse jogo acontecendo em qualquer pista de dança que exista por aí.
CS - Não que destoe do álbum, mas “Serpente” parece uma música de celebração, enquanto o tom contestador é mais latente no resto. É isso?
P- É sim. Porque é o fim dessa história, é o último capítulo. É a redenção, a resiliência, a não-rendição. É a recusa a sucumbir à amargura, à raiva e ao cinismo. É a hora de respirar, de botar a cabeça pra fora d’água depois de tomar um monte de caldo e de quase se afogar e ver que o mar acalmou. Saber que uma hora ele vai se agitar de novo, mas celebrar esse momento e se preparar pra isso.
CS - Ainda te restam três vidas como você canta? Dá pra falar sobre isso?
P - É metafórico, então eu poderia te dizer um monte de coisas subjetivas e todas caberiam aqui, rs
CS - O projeto Agridoce de certa forma deu um descanso na tua imagem de “roqueira brasileira”. Está pronta pra tudo de novo, estrada, shows, televisão?
P - Prontíssima. Esse tempo foi ótimo por isso: pra descansar não necessariamente da “imagem”, porque isso é só ilusão; mas para desestressar das pequenas coisas do dia a dia dessa profissão que às vezes são bem chatas, cobranças, concessões, muita gente o tempo todo ao redor. Gostei da experiência e hoje acho que dar um tempo é a melhor coisa. É o que faz a coisa ser sempre verdadeira, renovada. Voltei muito mais paciente, amorosa, cheia de vontade. É isso. Quando sentir que a coisa tá ficando burocrática e com cara de “bater cartão”, é hora de parar. Afinal de contas, foi exatamente para fugir disso que eu quis ter banda de rock.
CS - E é bom estar de volta ao rock?
P - Mais do que isso: é essencial. É vida.