Coplas para os abandonados
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Não, não tenham vergonha disso meus conterrâneos da Vila Rica. Não tenham vergonha de um homem que desde guri sofreu as agruras do mundo e agora fala, fala com toda a força de seus pulmões. Tenho tantos amigos na Vila Rica, e gosto de todos eles, mas alguns me disseram que discordam da minha opção em prol da ralé, dos miseráveis. Que eu devia exaltar as tradições do Rio Grande, as coisas boas, ter uma postura mais positiva. Ah, queridos amigos, não cheguei aqui para isso, para ser a voz oficial dos poderosos. Nesse caso, eu é que sentiria vergonha, por ser uma farsa histórica. Eu seguirei assim, "campereando" em defesa da gente que vi morrer à míngua ao meu redor, tentando preservar os novos campeiritos, para que não morram como flores pisoteadas, para que eles possam ter uma nova chance aqui na terra. A mesma chance que eu tive.
Quem souber que cante coplas para eles, os desesperados, os machucados, aqueles que mostram suas chagas abertas no corpo e na alma sob as soalheiras de janeiro e as invernias de agosto. Vocês conhecem eles, tenho certeza, pois estão por aí, todos os dias, trabalhando de sol a sol em busca de uns mirrados para comprar o pouco que podem para suas famílias. Eu rezo por eles e para eles, peço a Deus que tenha compaixão, que nunca os abandone, pois são meus irmãos e nas veias deles corre o meu sangue, a minha raça e a minha esperança.
Cantem coplas para os abandonados. Façam versos para os miseráveis, os que sofrem, os desgraçados. Deem um pouco do que têm para os que nada possuem. Olhem para o céu, admirem o amanhecer, curtam o pôr de sol todos os dias que puderem. Abracem seus amigos, beijem seus pais, estendam a mão para os doentes. Eu rogo, meus conterrâneos, nunca me maldigam por estar ao lado dessa gente. Quando acordo, agradeço pela vida, pelos dias que já tive, pelos amigos e companheiros, pelos familiares e penso numa nova "campereada". E nela sempre estará meu coração interiorano e minha opção pelos que estão sós. Isso reaviva minha memória e me mantém vivo.