Marca histórica

Marca histórica

Escrevi uma, escrevi duas, cem, duzentas, quinhentas e hoje estou escrevendo a de número setecentos.

Paulo Mendes

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Desde 2009 minha vida de jornalista ficou diferente. Já havia atuado como repórter e editor em vários jornais do interior do Estado, como em O Expresso e A Razão (Santa Maria) e Pioneiro (Caxias do Sul). Em 1990 vim a Porto Alegre fazer um mestrado em literatura brasileira na Ufrgs. Havia ganhado uma bolsa da Capes que acabou sendo bloqueada, dentro de um plano econômico do ex-presidente Fernando Collor. Sem grana, fui procurar emprego. Fiquei sabendo que no Correio do Povo havia uma vaga de redator. Foi emocionante entrar naquele elevador centenário antes de pôr os pés na redação mítica. Fiz um teste rápido e fui aprovado. 

Isso foi em 1990. Depois de trabalhar em tantas funções, em 2009, a editora de Rural Caroline Jardine me convidou para escrever uma coluna chamada Campereada. Escrevi uma, escrevi duas, cem, duzentas, quinhentas e hoje estou escrevendo a de número setecentos. Todo domingo, uma história nova, um causo, uma crônica, um conto. Isso virou minha vida, minha forma de suportar as dificuldades inerentes da vida de jornalista. Como colunista, experimentei a fortuna de ser considerado pelos leitores uma espécie de artista. Começaram a me chamar de escritor, o que na verdade, todo jornalista de jornal impresso é. Confesso aqui, que esses afagos me deixaram lisonjeado e sou grato ao Correio do Povo, o jornal em que, quando guri, aprendi a ler enquanto enrolava fumo em corda no balcão de nosso velho bolicho beira de estrada. Nunca quis ser famoso, porém ser admirado e reconhecido é algo que nos orgulha e nos transcende. 

Hoje, nas setecentas campereadas, queria agradecer de novo ao Telmo Flor, ao Juremir Machado da Silva, ao Luis Gomes (da editora Sulina), aos familiares, aos amigos e a todos os colegas do Correio do Povo. Os atuais, os que passaram e, principalmente, aos que sempre acreditaram em mim. A todos os editores do Correio do Povo Rural. Uma coluna regionalista, por vezes, tende a diminuir sua abrangência. Mas sempre penso, quanto mais local, mais estará além da porteira e das cercas. Sérgio Metz, o poeta e amigo Sérgio Jacaré, lembrava do escritor russo Leon Tolstói. “Cante sua aldeia e serás universal.” Jacaré me ensinou a enxergar a vida com outros olhos. Ele e tantos generosos amigos que já se foram e hoje deles sofro grande saudade. 

Venho comemorar agora esta marca histórica. Quero repartir esta alegria com vocês, compartilhar este momento importante para alguém que foi um guri bolicheiro, carroceiro, leiteiro, e se transformou num provocador de sonhos. Tanta gente manda e-mails, cartas, WhatsApp, dizendo que se identifica com as Campereadas. Apenas seguirei em frente, amadrinhado por toda essa gente. Quando venci a Covid-19 depois de 21 dias internado, 15 deles na UTI, no final do ano de 2022, virei um corajoso, com vontade de viver cada segundo, minuto, hora, dia, semana, mês e ano que tivesse pela frente. A vida, sempre digo, é tão curta, mas é tão linda. Mais bonita ainda fica com a possibilidade de camperear todas as semanas nos textos desta coluna. Isto é tudo que tenho e é tudo o que preciso para seguir assim, enquanto puder, contando e vivendo. Como o sol missioneiro que pinta de sangue a querência antes de morrer por detrás as coxilhas.


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