Terra, sonhos e asas

Terra, sonhos e asas

Paulo Mendes

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O avô de Luca era capataz de uma estância famosa por criar gado Charolês da melhor qualidade. Nas férias, o guri visitava o avô e via aqueles animais lindos. Eram touros, terneiros e vacas vistosas, de pelo branco como as geadas de junho. Luca foi meu colega por um ano e de vez em quando passava com o pai em nosso bolicho. Ele me falava da fazenda onde o avô trabalhava com tanta convicção que um dia pedi para ir lá. E eles me levaram. Fiquei extasiado com o açude grande, com os cavalos crioulos, que eram uma magnífica tropilha de baios. Numa tarde, depois do almoço, Luca me levou à sala de troféus, onde os guris não podiam entrar. As fotos e taças eram uma coisa mágica, orgulho da fazenda, do município e da região. Soube, um dia, que o doutor Antônio, dono da estância, havia falecido num acidente de automóvel na BR 290, numa viagem, com destino a Esteio.

Depois, com o passar dos anos, a criação de gado foi mermando, perdendo espaço para as lavouras. O avô de Luca se aposentou e foi morar na cidade. E os herdeiros acabaram vendendo a propriedade para produtores do Alto Uruguai. Eu não entendia nada, mas fiquei triste com a situação, a perda de uma tradição regional. Mas a vida seguia, era preciso compreender as mudanças do mundo. Luca me disse que ia tentar fazer alguma coisa para honrar a memória do avô, que preparava animais vencedores para a Expointer. “Ficou louco”, pensei na época. Depois, nunca mais nos vimos. Era comum isso, amigos de infância se separando, cada um seguindo seu rumo. Uns ficavam, outros partiam.

Então, como dizem, os anos foram se acumulando uns sobre os outros. Eu fui estudar, fazer faculdade. Nosso bolicho virou uma lavoura também. Depois de formado, rodei por algumas cidades, trabalhei em rádios, em pequenos jornais e em todos fui constatando a força que a agricultura adquiria na economia rio-grandense. Ao mesmo tempo, a pecuária de resultados, de alta performance, foi voltando a ganhar terreno.

Então, trabalhando na redação centenária do Correio do Povo, um editor notou minha proximidade com o campo e disse: “Vais ajudar na cobertura da Expointer”. Fui com gosto. E não é que redigindo uma das matérias me deparei com o nome do meu amigo de infância sendo o proprietário de um bicho vencedor, campeão de sua categoria? Pensei comigo, não é que o Luca cumpriu mesmo a promessa? Anos depois, nem lembro mais quantos, uns quatro, cinco, fui passar um fim de semana na Vila Rica e passei por uma loja de pássaros. E lá estava ele, meu ex-colega, criador de pássaros, calopsitas, galináceos, tudo. “Vi teu prêmio na Expointer, então tinhas um amor pelas aves?”, eu disse. “Claro, Paulinho, como poderia ganhar prêmios com grandes animais se não tenho terras?”, respondeu, rindo. E completou: “Vovô gostava muito do campo, de gado, de cavalos e de ovelhas. Mas criar bichos de asas também é uma forma de voar, não achas meu amigo jornalista?”.

Estou aqui, me preparando para cobrir outra Expointer, eu e meus colegas de jornal. Os anos passaram, os tempos mudaram. O que não muda, meus amigos, é a vontade de fazer cada vez melhor. Cada um no seu espaço, seja no campo ou na frente de um computador.


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