Três amigos

Três amigos

Era valente, forte, dizem que trançava o ferro branco com maestria, mas como os outros dois gostava mesmo era de camperear de sol a sol

Paulo Mendes

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Eram troncos da querência missioneira, terra primeira do Rio Grande mais antigo, para ser franco de vereda já lhes digo, faziam um quadro de unidade e de conjunto, e sendo tauras e vivendo sempre juntos, foram chamados na região de ‘os três amigos’

Seu Anacleto. O capataz, xiru de estampa pampeana, ar sereno, havia nascido num galpão de estância lá pros pagos da Encruzilhada. Gurizito novo viera dar os costados ali, no Rincão do Afogado. Era afilhado do patrão, dom Alberto, e bom de lida, respeitador e de toda confiança, muito ligeiro se tornou o responsável por comandar com muita qualidade a Estância da Goiabeira. Muito sério, casara com Vandinha, a filha mais jovem do seu Miro, o bolicheiro do Passo dos Buracos. Um laçador e pealador de mão cheia, castrava, sentava marca e assinalava num upa. Era um desses homens difíceis de se encontrar, e patrão que achasse, nunca mais dele queria se desfazer, pois se tratava de um conhecedor de caminhos, cumpridor de seus deveres e obrigações, correto, honesto, devotado à terra, tratando-a como se fosse sua. Por isso era respeitado quando tapeava o chapéu preto na testa e pedia cancha num rodeio. 

Valentim Toló. Um guri ainda, mas nascera enforquilhado no lombo do pingo. A família era descendente de italianos e vivia na Quarta Colônia, mas o piá tinha alma campeira e nunca quis saber de estudar, trabalhar em oficinas de veículos, cocomo balconista ou qualquer atividade urbana, gostava de fato era de viver na campanha, dormir sobre os pelegos sob a luz das estrelas e pontear o violão nas noites de primavera. Aprendera a lida com um tio, capataz de uma fazenda na Igrejinha dos Quevedos, lindeira do rio Toropi. Depois, numas carreiras, conhecera seu Anacleto que o levou para a Goiabeira. Era faceiro e gritão, melenudo, e quando saía atrás de um novilho gavião, esporeava o tordilho e desenrodilhava o laço e pealava de sobrelombo, prendendo o grito, fazendo chispar os olhos claros, mesmo que o capataz pedisse para que não o fizesse. “Tem que aprender com quem tão lidando, seu Cleto”, falava meio que aos berros. 

Jango Preto. Um homem negro de meia idade, ginete como ele só, parecia que se grudava no lombo do urco, sempre com chilenas de papagaios compridos, rosetas do tipo nazarenas, e bem afiadas. Era valente, forte, dizem que trançava o ferro branco com maestria, mas como os outros dois gostava mesmo era de camperear de sol a sol. Aos domingos, vestia a melhor pilcha, encilhava seu alazão malacara e se mandava para vendas do vizindário, com a cola do cavalo atada em cacho, “pra mode inticá com as guria”. Lá no bolicho de casa falavam que era muito namorador e galanteador, mas não deixava “se amarrá em chinoca”, por isso era um solteirão convicto. Seu Cleto o buscou na costa do Uruguai numa comunidade de quilombolas no interior de Garruchos, e dizia que era seu braço direito, “xiru de toda confiança”. Era o sota capataz. 

Onde estão os três amigos, foram pro fundo da terra? Aqui este causo encerra, só dei uma pincelada, porque estas Campereadas, não são novela ou romance, são só humildes relances, de uma história sem estande, e quer que o destino abrande, cantando num tom campeiro, homenageando os guerreiros, que desenharam o Rio Grande... 


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