Cuidados na volta às aulas

Cuidados na volta às aulas

Taís Teixeira

Clóvis Francisco Constantino, pediatra, professor de Ética e Bioética do curso de Medicina da Universidade Santo Amaro (Unisa), em São Paulo, e vice-presidente da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP)

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No retorno das aulas presenciais, medidas como turmas menores, modelo híbrido, revezamento dos estudantes, entre outras, devem ser implementadas e podem passar por ajustes conforme o andamento da pandemia, mas as dúvidas se proliferam. O pediatra, professor de Ética e Bioética do curso de Medicina da Universidade Santo Amaro (Unisa), em São Paulo, e vice-presidente da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), Clóvis Francisco Constantino, fala sobre as recomendações.

Uso de máscara e álcool em gel é a orientação básica de cuidados. Esses itens devem acompanhar as crianças na escola?

Depende da idade escolar. O uso de máscara em crianças de zero a 2 anos é contraindicado pela Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP). Nessa idade, a criança precisa de oxigenação adequada. Em função da baixa coordenação motora, o acessório pode entrar na boca, ela não saber retirar e acabar sufocando. Além disso, pode adormecer e eventualmente ficar sem ar. Então, nesta faixa etária, o uso de máscara não é necessário por questão de segurança. Todavia, há recomendações pontuais para utilização a partir dos 4 anos elaboradas por algumas secretarias municipais. Mas a SBP considera que o uso pode ser feito com a criança acordada e vigiada a partir dos 2 anos.

Quais as orientações para crianças acima de 6 anos enquanto estiverem na escola?

Devem usar máscara e levar consigo um recipiente com álcool em gel 70%. Importante levar uma máscara reserva por precaução, uma vez que pode ficar inutilizada (umedecida, por exemplo), até porque dura em torno de três horas. Nesta idade, já podem usar álcool em gel 70% com frequência e segurança, desde que não fiquem próximas a fontes de fogo.

Quais os cuidados que os pais devem ter com os filhos após o turno escolar?

Ao entrar na residência, trocar de roupa, tirar o calçado, dar um banho e higienizar o material escolar. São os mesmos cuidados que nós temos depois de voltar de uma saída do domicílio. Pode-se dar mais atenção à limpeza nasal, hábito que deve ser praticado independentemente de pandemia, pois é pelas narinas que entram a maioria dos vírus, como os causadores de resfriados e gripes. Ensinar a criança a assoar o nariz desde cedo é importante. Mas não é uma manobra que vise apenas o controle do coronavírus, e sim um cuidado que deve ser rotineiro.

Há alguma restrição de convívio com pessoas mais velhas para as crianças que voltarem a frequentar o ambiente escolar?

Independentemente de voltar à escola, as crianças devem manter o distanciamento de integrantes da família com mais idade. A vacinação está lenta no Brasil, é preciso duas doses e essa recomendação de evitar convívio com os idosos é importante.

As turmas devem ser menores?

Nós consideramos seguro ter redução de alunos dentro da sala porque dessa forma é possível manter o distanciamento. Também achamos eficiente fazer rodízios diários ou semanais (uma semana presencial e outra em casa, com ensino a distância). Aqui em São Paulo, as turmas trabalham com 35% das crianças por sala em sistema de rodízio, modelo que recomendamos para todos os grupos de idade.

Em se tratando da organização escolar, qual a forma mais segura para a hora do lanche? E a “pracinha”, momento em que brincam no parque da escola, pode continuar?

As refeições devem acontecer na mesma sala porque essa mudança de espaço facilita a transmissibilidade de qualquer vírus. Do momento de entrada até a saída, a turma deve permanecer na mesma sala, saindo apenas para ir ao banheiro, sempre de máscara e limpando as mãos com álcool em gel. Em relação à pracinha, quanto menos circular na escola, melhor. Se a escola tiver condições e o tempo for favorável, aulas ao ar livre são mais interessantes. Outra recomendação é evitar trocas de docentes e manter professores fixos em cada turma.

No período escolar, muitos pais convidam um coleguinha para fazer companhia ao filho em casa. Como o senhor vê isso?

Essa situação não faz parte das orientações de volta às aulas e é uma flexibilização do distanciamento. É para a criança ir da casa para a escola e da escola para casa e não “plantar” a circulação do vírus entre famílias.

Quando uma criança começa a tossir, ter coriza ou febre na escola, o que deve ser feito?

A criança deve ser retirada do ambiente. Os pais são chamados e recebem orientação para buscar ajuda médica. Essa criança deve ficar de dois a três dias afastada, aguardando o resultado do exame. O ideal é que toda a turma e a professora fiquem em casa aguardando o diagnóstico. O espaço físico da sala de aula também deve ficar sem uso neste período.

Os pais têm medo de os filhos ficarem mais expostos ao vírus na escola. Como acontece a manifestação da Covid-19 no público infantil?

No início da pandemia, identificamos que as crianças não desenvolviam de maneira importante nem de forma grave a Covid-19, elas praticamente não adoeciam. Imaginávamos que estariam com o vírus sem estar doente, mas seriam transmissores, como qualquer pessoa. Com o passar dos meses, estudos indicaram que as crianças têm menor taxa de transmissibilidade. Ficam menos doentes e transmitem menos.

Crianças geralmente são mais suscetíveis a doenças respiratórias, o que não acontece com o coronavírus. Há características diferentes?

Sim, o novo coronavírus provoca inflamações em vários órgãos importantes do organismo. Como a criança tem o sistema imunológico em evolução, as inflamações não ocorrem e, se ocorrem, são de maneira bem suave. Ainda não dá para afirmar que a imunidade infantil é um fator de proteção, há inferências e estudos muito preliminares na área que ainda buscam comprovação científica.

Crianças com comorbidade podem retornar às aulas?

O novo coronavírus tem uma predileção inicial pelo aparelho respiratório, principalmente em pessoas que têm idade mais avançada ou comorbidade. Pais que têm filhos com comorbidades mais graves, como asma, diabete, cardiopatia, complicações renais, devem seguir indicação médica sobre voltar ou não para a escola.

Enquanto médico, o que o senhor aconselha a pais e responsáveis?

A nossa recomendação é voltar às aulas presenciais, principalmente para menores de 2 anos, que não têm condições de socializar em frente a uma tela, o que inclusive é contraindicado. O convívio social, a hora do lanche, as atividades feitas na escola são fundamentais para o desenvolvimento da criança, mas devem ser feitas com segurança sanitária. É importante a escola evidenciar para os pais que se preparou para voltar, com novas instalações e adequações, equipe treinada, acesso estratégico a álcool em gel 70%, entre outras ações.

As vacinas que estão em uso podem ser aplicadas em crianças?

Essas vacinas não foram testadas em crianças e por isso não podem ser aplicadas nesse público. Vamos caminhar para isso, as pesquisas estão começando para imunização infantil, mas não sabemos quando estarão disponíveis.

No Estado, tivemos a morte de uma criança por Síndrome Inflamatória Multissistêmica Pediátrica (SIM-P) associada à Covid-19. Como isso acontece?

É uma situação muito rara, mas já ocorreu no Brasil e em outros países. Pode acontecer quando a criança tem Covid-19, é assintomática, ou apresenta sintomas leves, e aproximadamente duas semanas depois desenvolve esse quadro, que é bastante exuberante e necessita da internação. Isso começou a ser descrito há uns meses e é uma situação clínica importante e grave.

Pode-se dizer que a SIM-P equivale a reinfecção por Covid-19?

É uma reação do organismo à infecção e não uma reinfecção. Não sabemos como prever ou controlar isso porque a manifestação é aleatória.


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