Daniel Wobeto: Mitos e verdades sobre a urna

Daniel Wobeto: Mitos e verdades sobre a urna

Mauren Xavier

Secretário de Tecnologia da Informação do Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Sul (TRE-RS), Daniel Wobeto

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Presidentes da República, governadores, prefeitos e parlamentares já foram escolhidos por meio da urna eletrônica no Brasil. Em 24 anos, entre eleições municipais e gerais, nunca existiu a comprovação de fraudes. Apesar de ser reconhecida como um modelo seguro e que trouxe muitas mudanças ao processo eleitoral, especialmente a rapidez no processo de apuração, a urna eletrônica ainda é alvo de campanhas de desinformação. A seguir, o secretário de Tecnologia da Informação do Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Sul (TRE-RS), Daniel Wobeto, aborda esse e outros assuntos 

Pela sua experiência, ao que o senhor atribui a grande quantidade de críticas e ataques às urnas eletrônicas, sendo que até agora, em 24 anos de funcionamento, não existe nenhuma fraude comprovada? 

A gente pode dividir essa história dos ataques à urna eletrônica em algumas fases. Logo que surgiu a urna me recordo que (Leonel) Brizola, que tinha sido alvo de uma tentativa de fraude em uma apuração eletrônica no Rio de Janeiro alguns anos antes, se colocou contra. A partir deste momento, algumas pessoas entraram no cenário e passaram a estudar essa questão, até contratados por ele, só que algumas dessas pessoas acabaram achando, nessa discussão da urna eletrônica, de combate, um meio de vida. Então, seguiram com uma campanha de descrédito da urna eletrônica, muitos envolvidos por, na minha opinião, interesse pessoal, o que manteve esse assunto em debate. Esse debate é saudável, mas a gente encontrou, ao longo do tempo, em algumas pessoas, várias tentativas de manter algumas bandeiras à base de mentiras. Inventando situações em eleições, dando manchete e espaço para qualquer coisa que aparecia contra eletrônica mesmo sabendo que aquilo não era verdade. No pleito de 2014, nós temos um novo cenário, que nasceu de uma virada na eleição e já dentro do contexto de redes sociais mais ativas. Logo depois da eleição da presidente Dilma (Rousseff, em 2014), começaram a surgir muitos boatos e esses boatos começaram a ganhar corpo, mesmo após uma auditoria isso permaneceu, essa imagem de que teria acontecido alguma coisa ali, embora plenamente desmentida qualquer tipo de irregularidade. A partir deste momento, o descrédito da urna eletrônica entrou no processo eleitoral. Começou a existir uma polarização em relação à situação da urna eletrônica. Alguns candidatos começaram a usar como argumento para arregimentar a sua militância. Dentro dessa construção, temos ainda as redes sociais, cada vez mais fortes, com as fake news e a pós-verdade circulando, em que as pessoas não estão preocupadas com a verdade verdadeira, mas aquela que interessa, e a urna eletrônica entra nesse bolo e acaba sofrendo bastante.

Houve uma situação que ocorreu no último pleito, em que as pessoas votaram errado e tentaram usar isso para justificar uma falha na urna. Como isso foi identificado e esclarecido?

Aconteceu muito na última eleição, que era complexa, por ter seis votos. Nós identificamos, no Rio Grande do Sul, 115 mil pessoas que votaram para o número 17 para o cargo de governador, sendo que o partido não tinha candidato para governador no Estado, o que evidenciou bastante essa inversão de votos por parte dos eleitores. Então, teve muito eleitor invertendo voto e diante de algumas notícias que saíram durante a votação mesmo, condicionando, muitas pessoas acabaram indo para a seção eleitoral predispostas a achar um problema e quando caiu nessa situação do voto invertido, acabavam desconfiando da urna eletrônica.

Como estamos falando sobre segurança, de que forma o senhor explicaria o grau de segurança a um eleitor leigo. Ou melhor, como o cidadão vai saber que ao colocar o seu voto na urna não vai existir alguma alteração ou que o voto será apagado? 

Essa pergunta não é muito fácil de se responder. Se o sistema eleitoral brasileiro tem um problema é com a complexidade da compreensão da sua segurança. Esse talvez seja o grande calcanhar de aquiles. Embora extremamente robusto e baseado numa lógica de segurança que traz muito conforto à Justiça Eleitoral, é complexo de explicar porque sai das questões manuais, procedimentos manuais e mecânicos, ficando estritamente nos softwares e hardwares. Eu começaria explicando a questão de segurança para um leigo com um alerta. Se alguém começa falando da urna dizendo que ela é uma urna venezuelana ou alguma coisa do tipo, desconfie dessa pessoa porque essa informação sim é fácil de ser verificada e a gente pode ver que a urna não é venezuelana. Então, se alguém começa falando isso, a gente tem que desconfiar é da pessoa que está falando. Depois, a gente fala sobre como o processo de desenvolvimento da urna se dá todo dentro da Justiça Eleitoral, o projeto do hardware, a especificação de como deve ser o hardware da urna. Obviamente, a Justiça Eleitoral licita a produção do equipamento, que se dá sob o rígido controle. Não é uma empresa que faz a seu bel-prazer a urna eletrônica. O software também é desenvolvido pela Justiça Eleitoral. Esse desenvolvimento é fiscalizado pelos partidos políticos. Deveria, porque infelizmente eles acabam não fazendo exatamente o seu papel. Quem acaba cumprindo isso de uma forma mais forte é o Ministério Público, a Ordem dos Advogados do Brasil, universidades, a Polícia Federal. Que vão lá, estudam, avaliam os programas. Há uma série de processos que permitem garantir que esse programa é o que está na urna eletrônica e que não tem como colocar outro. A Justiça Eleitoral faz vários testes de segurança. Os hackers são chamados, vão lá tentar achar um jeito de botar um programa que não seja o oficial. É uma cadeia eletrônica que permite garantir que ele vai cumprir exatamente aquilo que está previsto dentro do sistema de votação, que não vai entregar o voto ou mudar.

Há também críticas sobre a transmissão, que é após o fim da votação. Como é a segurança desse processo?

Essa é a grande acusação que paira sobre 2014 e teve agora, uma recente sobre 2018. Além das garantias do software, há todo um controle dos boletins impressos de urna eletrônica, que permitem o rastreamento de ponta a ponta. Consigo verificar o boletim de urna impresso na seção, impedindo que haja qualquer tipo de troca dos votos no meio do caminho.

Desde a primeira eleição com a urna eletrônica nunca ocorreu nenhum tipo de fraude? O senhor pode falar um pouco sobre esse histórico?

A urna eletrônica entrou em vigor em 1996. Primeiro em alguns municípios. Em 1998, numa maior quantidade de locais. E em 2000 foi em todos os municípios. Uma coisa que sempre comento com o pessoal do TSE é o discurso de que ‘nunca foi comprovada uma fraude na urna eletrônica’. Prefiro dizer que, além de não ter sido provada nenhuma fraude, nós tivemos várias denúncias. E todas foram cabalmente desmontadas, mostrando que não eram verdadeiras. Então, se criou uma teoria conspiratória em relação a alguma coisa que não significava fraude e se jogou a notícia aos quatro ventos, sem a devida verificação.

Há muitas sobre tentativas de ataque aos sistema da eleição nos EUA e até de urnas falsas para receber os votos. Como podemos diferenciar o processo deles do nosso? 

Primeiro, houve uma notícia sobre uma ameaça de um ataque virtual para a invasão de alguns computadores nos EUA. Teoricamente, não buscaria manipular o resultado da eleição, mas sim prejudicar o pleito. Que é um risco ao qual estamos todos sujeitos. Então, quem usa um computador tem que ter essa visão de que o risco existe. Trabalhamos de uma maneira muito séria essa situação da segurança da informação, para evitar que nossos sistemas sejam travados de uma hora para outra por um ataque desse tipo. Em relação à urna eletrônica, esse ataque não funciona. Ela tem um controle do software que não admite outro software ou malware ou algo venha a invadir e tomar conta dela. Ela simplesmente rejeitaria e não funcionaria.

Há registro dos ataques? 

Qualquer instituição que esteja conectada à Internet, se disser que não recebe ataques diários é porque ela não está monitorando. Recebemos muitas tentativas de ataques aos nossos servidores. Temos softwares, equipamentos e gente dedicada para monitorar isso. A nossa missão é fazer com que esses ataques não prosperem. Os ataques existem. No dia das eleições, são milhares. O principal ataque é a negação de serviço. É tentar bombardear o site para ver se ele cai. É uma tentativa. Aquele de tentar tomar conta da rede. Tentar derrubar uma rede é ataque.

Existe, por parte de muita gente, um questionamento de por que muitos outros países não usam a urna eletrônica. Aproveito para perguntar como está o resto do mundo em relação ao Brasil.

Existe um levantamento mundial que identifica hoje mais de 25 países que usam a urna eletrônica. Os Estados Unidos são um deles, que usam de forma parcial, porque cada estado usa uma solução diferente. Se olharmos o mapa dos 25 países, vamos ver algumas coisas interessantes. A Europa basicamente não tem solução eletrônica. Há uma questão cultural forte de confiança que não faz sentido aplicar para ganhar pouco tempo na apuração. Na África, há poucos países, muito provavelmente porque eles não tenham condições de implementar. A questão do voto eletrônico é um binômio de necessidade com capacidade. O Brasil tinha uma necessidade, uma eleição com elevadíssimo número de fraudes, e se deixar espaço, vai ter fraude na eleição. Então, a urna entrou com isso. E tínhamos a capacidade, com a Justiça Eleitoral.


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