Para preencher um vazio

Para preencher um vazio

Taís Teixeira

O escritor e dramaturgo Luis Carlos Rimoli

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A história da Força Expedicionária Brasileira tem lacunas importantes que não podem sucumbir ao esquecimento. Foi esta convicção que norteou o dramaturgo e escritor brasileiro Luiz Carlos Rimoli em mais de uma década de pesquisa sobre o tema, trabalho que resultou no livro ‘La Forza di Spedizione Brasiliana nella Valle del Serchio’ ( A Força Expedicionária Brasileira no Vale do Serchio, em português) lançado há um mês em Barga, cidade italiana onde o autor mora há mais de quatro anos. Rimoli também é presidente do museu multimídia ‘Casa Brasile in Toscana’. Ele tem 70 anos, é paulista, natural de São Bernardo do Campo, e resgatou partes da história da Segunda Guerra Mundial, dando espaço a passagens desconhecidas sobre a participação de soldados brasileiros nesse período.

Por que escrever sobre a atuação da Força Expedicionária Brasileira (FEB) na II Guerra Mundial? 

Muito já se falou e se escreveu sobre o tema FEB, mas muito pouco foi baseado em pesquisas históricas profundas. Primeiro por ter se passado longe dos confins do Brasil e depois por ter havido poucas publicações verdadeiramente históricas e baseadas em pesquisas sérias e profundas, in loco, algumas sendo muito ufanistas e algumas até mesmo personalistas, com foco nos autores e não nos fatos históricos. Não estou nem mesmo considerando o fato de este período da história ter se passado durante a censura de um sistema político centralizador e totalitário, que foi o governo Getúlio Vargas, e nem quero julgar os méritos e deméritos de tal governo. Nas várias publicações existentes, muitas excelentes, muito do que foi escrito foi feito pelo viés político ou mesmo ideológico, um pouco divorciado dos fatos. Existem ainda hoje muitos pontos obscuros em alguns aspectos. Cito aqui um, por exemplo, que é a real participação e influência dos Estados Unidos sobre a FEB e sobre o governo brasileiro antes, durante a guerra e, principalmente, no pós-guerra, tudo centralizado em um personagem enigmático e desconhecido, que foi o então capitão de inteligência do exército norte-americano Vernon Walters. O militar chegou a general, depois adido militar dos EUA na embaixada do país no Rio de Janeiro, e depois, diretor da Central de Inteligência dos EUA, a famosa CIA.

Seu par e oficial de ligação no Exército brasileiro desde a preparação da FEB para a guerra em 1943 foi o então capitão, depois general, depois presidente do Brasil, Jose Humberto Alencar de Castelo Branco. Os caminhos destes dois personagens se confundem desde antes da guerra até depois do golpe militar no Brasil e a posse de Castelo Branco como presidente. Esta parte da história tem consequências ainda hoje na política brasileira. 

Há quanto tempo se dedica à pesquisa do tema?

Comecei a pesquisar este tema ainda quando era jovem, gostava de saber o que significava a Segunda Guerra Mundial para nosso mundo e civilização na era da pós-industrialização. Foi quando me deparei com estórias que meu pai contava quando eu era guri, que explicavam por que ele era contra a participação do Brasil na Segunda Guerra Mundial e como era aquele tempo de sua juventude no Brasil, que era atacado por submarinos alemães e italianos principalmente na costa onde ele morava, no estado de Sergipe, que amanhecia cheia de cadáveres dos navios brasileiros afundados pelos submarinos fascistas e nazistas. Portando, este é um tema recorrente em minha vida que, na verdade, teve início ainda nos tempos do fim do getulismo e anteriores ao golpe militar de 1964.

O que o leitor vai encontrar em “La Forza di Spedizione Brasiliana nella Valle del Serchio”?

Posso dizer isto com mais propriedade se falar sob o ponto de vista dos italianos, onde acabei de publicar o livro há um mês apenas, mas que já posso sentir o comentário de que a história é muito surpreendente para eles por ter preenchido um vazio na história deste vale por onde os soldados brasileiros passaram em outubro de 1944, libertando várias cidades e povoados da dominação nazifascista. Por ter sido uma passagem muito rápida, de apenas um mês, não deixou muitos traços, que aliás, já estavam quase que esquecidos, e o livro surpreendeu a todos. Acho que quando for publicado no Brasil, a sensação será mais ou menos a mesma.

Qual é o gênero que o livro se insere e o que ele traz de diferencial em relação às demais publicações sobre o assunto?

Acredito que o livro se insira em vários gêneros, como militar, político, histórico, e mesmo cultural, quando se pensa no resgate que ele oferece, de uma parte da história fadada ao esquecimento sobre a relação cultural entre brasileiros e italianos, semeada a partir do fim dos anos 1800 quando as primeiras levas de colonos italianos migraram para o Brasil e, mais recentemente, com a migração inversa, dos brasileiros para a Itália e Europa, na qual estou inserido.

Quanto tempo levou o desenvolvimento da obra? Quando foi lançada?

Esta ideia vem de muitos anos. Já produzi antes, entre 2009 e 2014, em minha “fase alemã”, um videodocumentário, inédito ainda ao público, denominado “Brasil, o aliado esquecido”, com pesquisa iniciada ao final da década e 1920, com a quebra das bolsas mundiais, a crise do café, a Revolta Tenentista e com a subida ao poder no Brasil do governo Getúlio Vargas. Ali faço uma compilação profunda dos fatos ocorridos na “virtuosa” década de 1930, onde aconteceu a mudança profunda do Brasil colonial e aristocrático para o Brasil moderno de hoje em dia, desaguando na entrada do Brasil em guerra, e depois o desenrolar desta mesma história, aqui em solo italiano. Com este livro que recém publiquei, mostro os detalhes quase esquecidos do início da campanha militar brasileira na Segunda Guerra Mundial, que pretendo continuar ainda aqui na Itália. Porém, ainda tenho em mente compilar e publicar sobre estas raízes da história moderna do Brasil, desde o fim da aristocracia brasileira, a do início do século XIX, que segue influenciando o desenvolvimento cultural e político da nação brasileira, com os fatos mais recentes da história do Brasil, dos últimos 70 anos. Quero usar a visão adquirida após ter vivido tantos anos em países como a Argentina, os Estados Unidos, a Alemanha e agora a Itália, para ver a história recente do Brasil com o ponto de vista destes grandes países protagonistas da história moderna. Esta pesquisa já levou muitos anos, talvez uns 12 ou mais, e vai levar mais uns outros dez ou 15 para ser completada, se é que ela pode ser completada.

Há quanto tempo preside o museu “Casa Brasile in Toscana”? Há quanto tempo ele existe? Quais tipos de exposições recebe?

O pequeno museu multimídia “Casa Brasile in Toscana” nasceu em 2016 de uma necessidade e de uma ideia. Em um certo momento da produção do videodocumentário “Brasil, o aliado esquecido”, precisávamos desesperadamente de um local para instalar a produção do filme e acabamos encontrando esta “cantina” (como eles chamam aqui um espaço comercial ao nível do chão), que acabou sendo um ajuntado de peças militares, documentos, fotos históricas, entre outros, usados para a produção do documentário. Quando a produção parou por falta dos patrocínios, ao invés de abandonarmos o projeto, surgiu a ideia usar o espaço para instalarmos nossa sede, aberta ao público, como uma associação histórico-cultural. Para isso deveríamos proceder à inscrição da atividade nos departamentos respectivos do governo italiano. Formamos uma diretoria, na qual fui colocado como presidente, e aqui estou até agora fazendo a curadoria do espaço, a divulgação do projeto, da história, da cultura e da relação comum entre italianos e brasileiros. As atividades ocorrem principalmente no verão europeu, quando recebemos uma quantidade bastante razoável de visitantes italianos e europeus, que ficam boquiabertos ao saberem sobre a participação dos brasileiros na II Guerra Mundial, algo que não é ensinado nas escolas nem aparece na mídia local.

No inverno de 2018/2019, fizemos uma exposição de arte com artistas locais e tínhamos (e temos ainda) muitos projetos em mente, como a pesquisa histórica sobre Giuseppe e Anita Garibaldi, ambos figuras expoentes da história tanto do Brasil como da Itália. No entanto, há um ano estamos com as mãos atadas por causa da pandemia. Mesmo assim aproveitamos o tempo para produzir o livro “La Forza di Spedizione Brasiliana nella Valle del Serchio”, que em português significa “A Força de Expedição Brasileira (FEB) no Vale do (rio) Serchio”, um vale histórico situado entre as montanhas da cadeia dos Montes Apuanos e os Montes Apeninos, onde está localizada a cidade de Barga, em que moramos e vivemos, que pertence à Província de Lucca, na Região da Toscana, na Itália.

Por estarmos no início de um novo inverno, que já bate à porta e traz consigo a segunda onda da Covid-19, que nos mantém outra vez enclausurados, decidimos nos dedicar à produção e lançamento de uma nova mídia, desta vez totalmente digital e na Internet, que se chama “BargaWebTV”, já disponível no YouTube e no FaceBook, onde continuamos nosso trabalho.

Tem previsão para lançamento do livro em português?

Está previsto para meados do ano que vem, dependendo da evolução da pandemia e, quem sabe, aconteça nas terras gaúchas de Porto Alegre.


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