A covid-19 em análise de dados

A covid-19 em análise de dados

Jessica Hübler

Isaac Schrarstzhaupt, cientista de dados e coordenador na Rede de Análise Covid-19

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Graduado em Processos Gerenciais, o caxiense Isaac Schrarstzhaupt, 39 anos, é consultor empresarial e trabalha de forma voluntária como cientista de dados desenvolvendo análises da pandemia, atuando na coordenação da Rede Análise Covid-19, um grupo nacional de pesquisadores que tem como o objetivo a ampla divulgação de dados científicos para a população, de forma acessível, bem como o combate à desinformação relacionada ao tema.

Qual a importância da ciência de dados, principalmente com temas relacionados à saúde pública?

Costumo dizer que a ciência de dados é uma janela para traduzir as respostas que não conseguimos ter apenas com a nossa observação, isso, em geral, em qualquer tema. Se entramos no que diz respeito à saúde pública, percebemos que a tomada de decisão precisa ter um suporte baseado em dados e a ciência de dados vem com esse intuito, analisar para que possamos entender efetivamente o que está acontecendo. Para que se tenha uma ideia de como é o meu trabalho, atuo com gestão de projetos e principalmente na gestão de riscos em projetos. As matrizes de risco precisam ser analisadas para que seja possível entender o que é preciso fazer para mitigar riscos. E como sabemos isso? Fazendo análise a partir da ciência de dados, o que se aplica também à saúde pública. É assim que conseguimos analisar quais os riscos e as ações que podemos tomar com base na análise de dados. A diferença da ciência de dados para os dados em si é justamente o que está faltando na pandemia: a tradução do que está acontecendo para uma forma em que o tomador de decisão possa atuar.

Como a ciência de dados pode contribuir em casos como o da pandemia da Covid-19?

O que percebemos logo que começou a pandemia? Até tínhamos dados, gráficos que nos eram mostrados, mas eles não vinham acompanhados de uma análise para uma melhor tomada de decisão dos gestores públicos, como prefeitos e governadores, e nossa tomada de decisão mesmo, pessoal. Será que faço home office se tenho a possibilidade? Será que faço visitas aos familiares? Essa tomada de decisão tem que ser amparada com base em dados. Se analisamos os dados e simplesmente aparece um gráfico que diz que hoje tem menos cinco casos que ontem, isso não me diz se está melhorando a situação e é aí que a ciência de dados contribui. Conseguimos fazer uma análise e mostrar um panorama do que está acontecendo e do que pode vir a acontecer. Um exemplo é a segunda onda da Covid-19, a reversão de tendência da queda começou em setembro. Tivemos em 7 de setembro um aumento de mobilidade, o pessoal começou a sair mais, foi bem marcante o movimento nas praias na época também, principalmente nos feriados a partir dessa data. Fazendo uma análise dos dados, percebemos que nesse período a queda que tínhamos começou a frear e fiz uma projeção indicando que parecia estar ocorrendo essa reversão. Quando chegamos em outubro, realmente tivemos a reversão de tendência. A curva começa a cair, cai mais devagar, estabiliza, começa a subir e depois começa a subir mais rápido como vimos em vários locais. O que aconteceu? No Rio Grande do Sul conseguimos perceber isso. Avisamos ainda em outubro sobre isso, principalmente por conta do aumento da mobilidade.

Como surgiu a Rede Análise Covid-19? Quem são as pessoas que fazem parte e como é organizado o trabalho?

A Rede Análise Covid-19 começou mais ou menos junto com a pandemia mesmo. Ela foi fundada com a Mellanie Fontes Dutra, biomédica e neurocientista. Ela ajuda muito a gente, principalmente sobre a vacinação. Mellanie percebeu isso e começou a juntar colegas e pesquisadores. Foi motivada por esse vácuo, faltava essa informação. Tínhamos ou desinformação ou esse vácuo em que não se tinha interpretação e divulgação científica. Então a rede surgiu para ajudar nesse buraco de divulgação científica. Eu estava fazendo isso por conta, analisando principalmente Caxias do Sul e a região. Percebi que o pessoal estava meio perdido, eu nem usava muito as redes sociais, mas comecei a postar algumas análises e percebi uma alta demanda. As pessoas solicitaram a criação de grupos e o movimento começou a aumentar muito. É uma rede (a Rede Análise Covid-19) nacional de pesquisadores voluntários para o enfrentamento da Covid-19. São aproximadamente 80 membros de todo o Brasil, com integrantes de ciências políticas, psicologia, neurociência, ciência de dados, engenharia. Contamos com profissionais de diversas áreas e nos reunimos para fazer análises, textos explicativos sobre os mais variados temas relacionados à pandemia, desde a questão do tratamento precoce até os tipos de máscaras que devem ser utilizados. Esse é o trabalho da rede, ajudar no combate à desinformação e ajudar na divulgação científica para as pessoas se sentirem mais seguras em relação à tomada de decisão delas.

Que tipo de trabalho é realizado na Rede Análise Covid-19?

Tentamos fazer texto de acordo com os métodos da ciência. Se vamos fazer um texto, temos a revisão por pares, buscamos fontes, colocamos no grupo da rede para que mais pessoas possam revisar. Elaboramos bastante, discutimos sobre os temas abordados. Por exemplo: fizemos uma análise sobre a subnotificação de óbitos no Brasil, porque percebemos que muitos óbitos que são ligados à Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) estão perdidos. São muito mais do que os que aconteceram em 2018 e 2019, mas também não tiveram confirmação para a Covid-19. Percebemos que quase 50% do número de óbitos no Brasil é subnotificado, pois não está confirmado como o novo coronavírus, mas provavelmente é. Essas análises ficam no site da rede e também em todas as redes sociais do grupo: Facebook, Twitter e Instagram. A nossa mídia com maior movimentação é o Twitter, onde há 31 mil seguidores. É um trabalho de muita responsabilidade e que exige muito cuidado. Sempre pedimos muita cautela, pois muitas vezes se quer a informação o mais rápido possível, mas isso pode acabar sendo divulgado sem muito embasamento. Nosso trabalho é justamente explicar todos os detalhes dos temas, seja a eficácia da vacina, seja qualquer outro assunto, principalmente aqueles que estão relacionados à pandemia da Covid-19. Esse é o trabalho principal, fazer a divulgação científica de forma multidisciplinar, voluntária e com alcance maior para a população em geral, não ficar só atingindo os tomadores de decisão. Já tentamos entrar em contato com prefeitos, governadores, secretários da Saúde e inclusive conseguimos em alguns momentos. Eu, inclusive, aqui em Caxias do Sul, já consegui. Nos oferecemos para ajudar sempre, estamos à disposição.


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