Leandro Minozzo: Cuidado com quem cuida

Leandro Minozzo: Cuidado com quem cuida

Christian Bueller

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O médico geriatra Leandro Minozzo, 38 anos, professor da Universidade Feevale, que tem mais de duas décadas de dedicação ao estudo de doenças que acometem a terceira idade, lança seu oitavo livro, “Como cuidar de um familiar com Alzheimer e não adoecer”, o quarto sobre o tema. Na obra, o foco central do autor não são especificamente os pacientes mas, sim, as pessoas que os acompanham e as suas jornadas, que também passam por sofrimento e pela necessidade de resiliência para enfrentar a situação. O especialista dá dicas como é possível diminuir o estresse do cuidador, seja familiar ou profissional, durante todo o processo, desde o diagnóstico até o cotidiano do tratamento.
 
O que o motivou a trabalhar e, posteriormente, se especializar nas pessoas com Alzheimer?

Sempre gostei dos “médicos de antigamente”, daqueles que faziam atendimentos demorados. Acabei me encantando pela Psiquiatria, mas foi na Geriatria que me identifiquei com aquelas consultas que prolongam o vínculo com os pacientes.

Depois de escrever livros sobre a doença, como surgiu a ideia de se centrar nos cuidadores?

As estatísticas são horríveis, dois terços dessas pessoas têm o chamado “estresse do cuidador”, mais de 60%, o que é muito prejudicial. A qualidade de vida fica ruim e os sintomas psicológicos e físicos que aparecem já são o da fase do esgotamento do estresse. Sendo assim, os indicadores de cuidado pioram: o paciente fica mais agitado, vai para o hospital, precisa de mais remédios. E esse estresse de cuidador é a porta de entrada para doenças sérias como depressão, insônia, ganho de peso, hipertensão arterial. No livro, mostro caminhos para prevenir este estresse, que conta com um luto mal resolvido.

O que é preciso fazer para tentar fugir do estresse do cuidador?

Um caminho que protege o familiar cuidador é a resiliência. Ele vai ficar chateado e, eventualmente, passar por crises, até porque a situação é difícil. Mas é possível obter uma capacidade de colocar um sentido na vida. O Alzheimer vem para as famílias como algo imprevisto e como um promotor de mudanças. Não tem como escapar, a mudança vai acontecer. O quanto antes o familiar conseguir ressignificar esse desafio, adaptar planos, sonhos e rotina, melhor. Buscar terapias, hobbies, se permitir ter diversão. E outro ponto importante é reduzir a sobrecarga. Muitas pessoas não estão aposentadas ou somente cuidando do familiar paciente, muitos têm que trabalhar, cuidar do relacionamento conjugal e dos filhos e, ainda, olhar pelo pai ou a mãe.

E aquelas famílias com uma rede menor de apoio, às vezes o idoso tem apenas um filho ou filha para cuidar dele.

Quando a família é pequena e/ou tem poucos recursos, o conhecimento sobre o Alzheimer e uma qualificação se tornam primordiais, além de ter um médico ou profissional de saúde que tenha uma resposta rápida. Assim como ocorre com outras doenças, já sabemos o que vai acontecer: as fases pré-clínica, inicial, moderada e, assim por diante. Se o familiar estiver preparado, pode evitar crises e responder com mais agilidade. Há modelos de assistência ao Alzheimer testados no mundo todo. Um deles, por exemplo, é o reativo, muito centrado na figura de ir ao médico somente após acontecer um surto, um esquecimento do nome de alguém importante na família ou uma queda. Porém, o cuidado de alta qualidade, reconhecido internacionalmente, é o proativo. É saber que pode acontecer, preparar o familiar, que tipo de resposta ele tem que dar. É a dica para uma família ter estratégias para que evitem, ao máximo, o sofrimento.

Como o Brasil se situa no contexto do Alzheimer?

Temos muita dificuldade com diagnósticos. Segundo os mais recentes estudos, temos 700 mil idosos com quadro demencial, mas que ainda não foram diagnosticados. A América Latina é o lugar do mundo onde ocorre o maior número de casos de demência, geograficamente não estamos em uma região favorável. Este dado tende a aumentar. Da população desta faixa etária, 8% tem quadro demencial e 14% tem o quadro de transtorno neurocognitivo leve. Temos uma cultura no país de que o idoso ficar “esquecido” é normal. Até alguns profissionais de saúde têm essa visão. O ponto interessante é quebrar esse mito. Geralmente, em média, a família brasileira demora dois anos para buscar ajuda. Na pandemia, este tempo reduziu pelo maior convívio com os pais dentro de casa.

E como estão os profissionais de saúde? Preparados para lidar com a doença no dia de hoje? Temos estrutura suficiente para a demanda?

Agora está tramitando no Senado a Lei Nacional do Alzheimer, a partir de uma mobilização que fizemos após o lançamento do meu livro “Como enfrentar o Alzheimer e outras demências”, em 2019. Lei estadual foi aprovada em março, justamente com este enfoque. A OMS (Organização Mundial da Saúde) reconheceu a demência e o Alzheimer como problemas de saúde pública urgente. Temos metas para cumprir, uma delas é capacitar médicos, enfermeiros, psicólogos, fisioterapeutas, entre outros, para tratar destes pacientes. No RS, somos privilegiados em ter o Instituto do Cérebro da PUC (InsCer), um dos poucos lugares no país que faz o mais novo exame para avaliar as placas. Temos bons especialistas no Hospital de Clínicas, Santa Casa, Conceição ou São Lucas da PUC, são lugares de referência, em comparação com outros lugares. Mas, em geral, no Brasil, temos dificuldades, não só em relação à demência, mas também com outras doenças comuns a idosos. Por exemplo, para tratar a depressão deles, os dois medicamentos disponíveis no SUS, nós da Geriatria não recomendamos que sejam utilizados, a fluoxetina e amitriptilina, porque podem dar problemas em idosos e há remédios melhores. Somos pouquíssimos geriatras no Brasil, menos de 1,5 mil, faltariam outros 2 ou 3 mil para dar conta. No RS são menos de 150. E, nas faculdades, foi de um tempo para cá que a Geriatria é disciplina obrigatória. Me formei na UFCSPA (Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre) em 2007 e não tive nenhuma aula de Geriatria.

Como a pandemia influenciou na assistência a pessoas com Alzheimer?

É um período de sofrimento para todo mundo. Os idosos perderam massa muscular, começaram a ter mais dores ortopédicas. Há exceções, daqueles que decidiram fazer exercícios em casa, mas grande parte deles teve prejuízo global, influenciando no humor, no propósito na vida. Muitos sobreviveram e tiveram que aprender de novo. Eles sofreram por eles e pelos outros. As perdas por quem se foi e as sequelas de quem ficou. As pessoas com Alzheimer que contraíram Covid-19 tiveram um impacto cerebral e ficaram com ansiedade, mais esquecimento e a brain fog (nuvem cerebral). Vamos ver o quanto será reversível ou não. Quem ficou muito em casa teve mais alterações de comportamento e insônia. Os cuidadores foram heróis, preocupados em cuidar dos pacientes e não transmitir Covid-19 a eles.

O que fazer quando surgem estes primeiros sinais de que uma pessoa possa estar com Alzheimer?

É quando erros graves começam a acontecer. Outras pessoas percebem e avisam a família. De uns anos para cá, o conhecimento sobre esta e outras demências. Há filhos e netos que chegam a ficar “neuróticos” e já levam os idosos para as consultas, o que é bom. Entre os sinais mais conhecidos está se perder na rua, guardar objetos e não lembrar onde, fazer perguntas de maneira repetitiva, esquecer de uma situação que ocorreu no dia anterior. Isso faz o familiar se assustar. Muita gente acha que a memória antiga não estar preservada é um traço de demência. É o contrário, é a memória recente, mesmo a lembrança mais remota estando intacta. Se houver casos anteriores na família, aumenta o risco de acontecer novamente, mas levamos mais em consideração quando são mais de dois e se são casos precoces, antes dos 65 anos. Aí é o perfil de Alzheimer mais familiar. Mas entre 90% e 95% das situações, não está no fator hereditário a explicação.

Idosos nesta condição podem dirigir? Tomam banho sozinhos? Qual o grau de independência que ainda podem ter?

Estas situações citadas, assim como cozinhar, tomar remédios ou morar sozinho, são questões que envolvem muitos desgastes ao cuidador e à família, que precisa buscar ajuda e aprender sobre a doença para aceitá-la. É preciso superar a negação sobre o Alzheimer, é um desafio que aparece muito no consultório. Poucos exames são confirmatórios, mas que já excluem outras doenças. Ao vencer a negação, o cuidador já descobre que precisa tomar conta do familiar doente. E, a partir daí, ter o equilíbrio para entender o que o paciente pode ou não fazer. Quando os riscos forem maiores à capacidade que o idoso apresentar, a família deve protegê-lo. Se um paciente tem Alzheimer e é diabético, por exemplo, não pode tomar insulina por conta própria. O seu cérebro não desliga de uma hora para outra. Ele preserva algumas memórias e traços da sua personalidade, mas não percebe.

Está correto dizer, então, que existe o termo ‘princípio de Alzheimer’, como muitas pessoas costumam falar?
 
Sim, é a doença em sua fase inicial. Inclusive, existe o Alzheimer em uma fase pré-doença. Em um exame, é possível que há uma quantidade maior das placas beta-amilóides (proteína que provocam a doença). Pessoas que têm um quadro de transtorno neurocognitivo leve, que é o quadro pré-demencial, até conseguem exercer muitas das suas atividades comuns. Muitas pessoas acima dos 60 anos, que ficam mais confusos e precisam utilizar agenda para não perderem compromissos, até ‘funcionam sozinhos’. Até podem morar sozinhos e dirigir. Mas, quando não perdem muito a atenção, memória, dificuldade de se localizar e faz com que tenha que parar de trabalhar, aí entra no quadro demencial. A partir da fase moderada, já demanda um cuidador.

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