Luiz Antônio de Assis Brasil: "Me volto para os dramas da alma humana"

Luiz Antônio de Assis Brasil: "Me volto para os dramas da alma humana"

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Assis Brasil: "A literatura encontrará um meio de sobrevivência, como, aliás, tem feito há três mil anos" Crédito da foto: Paulo Nunes/ CP Memória


Para comemorar os 40 anos do primeiro livro de Luiz Antonio de Assis Brasil, o Delfos-Espaço de Documentação e Memória Cultura da PUCRS, a Escola de Humanidades, o Curso de Letras e a Editora Movimento organizaram nesta semana um evento com a participação de Maria Eunice Moreira, Carlos Jorge Appel, Léa Masina e Antônio Hohlfeldt. O Caderno de Sábado entra na festa entrevistando o escritor. Em quatro décadas, Assis Brasil tornou-se um grande nome da literatura brasileira.

Caderno de Sábado – ‘Um Quarto de Légua em Quadro” é agora um livro quarentão. Ao olhar para trás o escritor se reconhece nesse primeiro livro como o ponto de partida de um projeto literário?
Luiz Antonio de Assis Brasil – Sim, sem o saber, eu dava início a uma “carreira” de um escritor que é bastante infiel a si mesmo. Hoje vejo o livro de estreia – sem qualquer julgamento de ordem estética – como algo escrito com ingenuidade, baseado apenas em minhas leituras, que, na altura, tinham um componente bastante “clássico” – digamos assim. Esse componente foi se alterando na passagem das décadas.

CS – A história, em especial a do RS, sempre teve muita importância nos seus livros, mas a ficção neles é soberana. O fundo histórico é um gancho para atrair o leitor?
Assis Brasil – Se escrevi muito numa perspectiva do passado – não da História! – é porque me agradou escrever. Na verdade, a época em que se passa uma novela é irrelevante, e, bem ou mal, posso escrever um romance que se passa no presente, como este último, O inverno e depois ou algum distópico. De qualquer forma, mesmo naqueles livros em que o passado é cenário – e apenas cenário – foram sempre escritos sob a perspectiva de um escritor inserido em seu tempo, e que apenas “deu um olhar” para o inserido em seu tempo, e que apenas “deu um olhar” para o passado, trazendo-o para uma visão estritamente contemporânea. Só que, para deduzir isso, o leitor não pode ver minha obra de modo superficial e que coloca rótulos; precisa, isso sim, de muita maturidade reflexiva e de recusa a aceitar os rótulos.
CS – A forma diário usada em “Um Quarto de Légua em Quadro” permanece como um bom recurso em literatura dependendo apenas do que se vai colocar dentro dela?
Assis Brasil – Sim. No atual momento literário, de domínio massivo e quase exclusivo da primeira pessoa, um diário, ainda que ficcional, desperta interesse; isso faz parte do lado Ide qualquer leitor.
CS – De 1976 para cá muita coisa mudou. O Brasil deixou de ser ditadura, o muro de Berlim caiu levando junto o socialismo do Leste Europeu, a Internet surgiu e o impresso vive uma mutação. A sua visão de mundo se alterou substancialmente em função dessas metamorfoses?
Assis Brasil – Sim, mudou muito. Passei a entender melhor o que se passa. Talvez o escritor em seus três primeiros livros tivesse uma perspectiva, digamos, paroquial. Hoje me incluo num espaço de pluralidades estéticas e ideológicas que me permite outras perspectivas, as quais interferem na minha definição humana e política, e me espanto como o mundo mudou de desde lá. E é uma sensação muito boa, ser testemunha e, às vezes, participante desse processo.
CS – Houve um tempo em que se falava de romance de época ou em romance de uma geração. Como insere a sua produção na grade da literatura brasileira dos últimos 40 anos?
Assis Brasil – Não consigo ver isso com muita clareza, mas penso que, em especial nos meus primeiros livros eu, sem a menor noção disso, me inseria avant la lettre numa vertente que começaria, de modo “oficial”, com o romance Boca do Inferno, de Ana Miranda.
CS – Teme que a hegemonia da imagem vá esgotar o interesse pela leitura de ficção?
Assis Brasil – Não creio que vá esgotar – mas é bem nítido que tem abalado; quanto a isso, entretanto, sou um otimista. A literatura encontrará um meio de sobrevivência, como, aliás, tem feito há três mil anos. Sempre haverá alguém que goste de contar uma história, bem como quem goste de lê-la (ou vê-la, ouvi-la). O suporte não é tão importante assim.
CS – O que mudou na sua literatura de 1976 para cá?
Assis Brasil –Ah, mudou muito. Mudou em temática, mudou em estilo, em compreensão da própria vida. Em estilo, mudou quatro vezes: o primeiro vai de “Um Quarto de Légua em Quadro” [1976até “Os Senhores do Século”[1993, terceiro volume de “Um Castelo no Pampa”; o segundo vai de “Concerto Campestre” [1994até “Breviário das Terras do Brasil”[1997; o terceiro, de “O Pintor de Retratos” [2001até “Figura na Sombra”[2012; e o quarto começa com “O Inverno e Depois”. Isso me agrada muito: na casa dos 70 anos começar algo novo. Chamo a cada uma dessas fases estilísticas por um designativo tolo, mas que funciona para mim. O primeiro, “acadêmico”; o segundo, “latino-americano”; o terceiro, “corte total” e o quarto, de “equilíbrio frasal”. Já em temáticas, cada vez mais, e isso é algo que vem paulatinamente, me volto para os dramas da alma humana – usando de uma inesperada liberdade que a idade propicia.

*Por Juremir Machado da Silva

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