Novos empregos gerados por 5G demandam melhor ensino no Brasil

Novos empregos gerados por 5G demandam melhor ensino no Brasil

Correio do Povo

Raul Colcher vê necessidade de melhora no ensino por mais empregos na área de tecnologia no Brasil

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Em um futuro não muito distante irá se difundir a tecnologia 5G, acelerando a velocidade da internet e possibilitando recursos e tecnologias que hoje não estão disponíveis. Ao mesmo tempo, demandará maiores cuidados com a segurança digital. Esse cenário deverá gerar cerca de 3,5 milhões de empregos no mundo nos próximos dois anos. 

Projetando implementar essa tecnologia apenas a partir de 2022, o Brasil larga atrás nessa expansão de postos de trabalho. Um tempo a mais, na avaliação do engenheiro de comunicações e presidente da Questera Consulting, Raul Colcher, para o país tentar superar o desafio na formação desses profissionais da área de tecnologia.

Membro sênior do IEEE, organização em nível mundial dedicada ao avanço da tecnologia em benefício da humanidade, ele vê a necessidade de aprimoramento em disciplinas essenciais para essas novas profissões e adverte que os cuidados de segurança digital devem ser tomados desde agora, em razão da concentração de dados pessoais em aparelhos celulares. 


Correio do Povo: Há uma expectativa de criação de 3,5 milhões de empregos no mundo até 2021. Qual o potencial de criação desses postos de trabalho no Brasil? 

Raul Colcher: O potencial de criação de empregos depende do crescimento da atividade econômica. Especificamente com relação a empregos vinculados a novas atividades envolvendo tecnologias emergentes, existe um desafio quanto à formação especializada, mas também em relação à educação básica, uma vez que os estudantes brasileiros são, na média, mal formados e apresentam desempenho medíocre em disciplinas essenciais, como matemática. Algumas das profissões mais “nobres” que serão criadas pelas novas tecnologias, como, por exemplo, a de cientista ou analista de dados, exigem uma base sólida de estatística e cálculo, infelizmente pouco comum nos estudantes brasileiros atualmente. Por outro lado, muitas das profissões atuais, inclusive de nível superior e bem remuneradas, serão tornadas obsoletas em prazos mais curtos do que a maioria das pessoas se dá conta, e substituídas por processos e sistemas robotizados ou automatizados em geral. Existem previsões de organizações sérias estabelecendo cenários preocupantes de desemprego estrutural a curto prazo, mas esse debate infelizmente ainda não se disseminou no Brasil, ao contrário do que ocorre nas economias mais avançadas.

CP: O possível atraso na implementação da tecnologia 5G, conforme informado pelo ministro Marcos Pontes, afeta esse possível boom na criação de empregos?

RC: Sim. Dado o fato de que o Brasil não tem qualquer papel relevante na criação e implementação da tecnologia 5G, os possíveis empregos a serem criados, associados à implantação dessa tecnologia no país relacionam-se sobretudo à disseminação das aplicações emergentes a serem viabilizados sobre as redes e serviços novos que se tornarão disponíveis. Diferentemente de gerações anteriores, a 5G não se caracteriza unicamente pelo aumento de velocidades, mas representa também um salto de qualidade em parâmetros tais como a latência de transmissão, o que permitirá a implementação e difusão de aplicações novas com grau maior de sofisticação, em áreas como medicina, controle de processos industriais e tecnológicos críticos, veículos autônomos e internet das coisas, em geral. À medida que tais aplicações se disseminem, empregos relacionados a elas tendem a se viabilizar.

CP: Em quais áreas os jovens direcionar suas formações? O Brasil, na sua opinião, oferece uma rede de ensino adequada nesta área ou o interessado deve buscar conhecimento fora do país?

RC: O país possui instituições de ensino superior de bom nível, sobretudo nos grandes centros, embora careça de uma rede de escolas técnicas apta a suprir a demanda por técnicos qualificados de nível médio. Nosso grande desafio, no entanto, situa-se no ensino básico, cuja qualidade é ruim e limita irremediavelmente as possibilidades da maioria dos estudantes brasileiros quanto a suas oportunidades de acesso a carreiras com maior necessidade de conhecimentos em disciplinas como matemática, física e química. Nossos professores são mal formados e mal remunerados e há uma grande carência de infraestrutura em todos os níveis. O mais grave é que a educação no mundo continua a evoluir, em busca de respostas para um novo ambiente e novas profissões, e o aparato educacional brasileiro se distancia cada vez mais dos padrões de excelência estabelecidos em países mais avançados, acarretando um fosso de competitividade irrecuperável e crescente.

CP: A prevenção de riscos online já é uma realidade. Na sua opinião, hoje as pessoas já estão percebendo isso ou ainda, de maneira geral, são muito vulneráveis a ataques hackers?

RH: As pessoas já estão percebendo e também continuam muito vulneráveis. É preciso entender os riscos de segurança cibernética como resultado de uma corrida contínua, uma competição sem fim entre a progressiva sofisticação dos atacantes e das ferramentas de prevenção e dissuasão. O capítulo atual dessa competição compreende o emprego de ataques cibernéticos por atores governamentais e forças militares, cujas ferramentas de alto poderio e sofisticação tendem a difundir-se progressivamente, estabelecendo desafios de grande complexidade para os sistemas corporativos de prevenção e mitigação de riscos. No caso das aplicações voltadas às pessoas físicas, presentes cada vez mais no dia a dia de todos, existe uma grande dose de desinformação, que torna possíveis golpes de natureza e forma variadas, envolvendo compras online ilegítimas, apropriação irregular de fundos em contas bancárias, roubo de identidades e muitas outras ameaças.

CP: Esses ataques podem vir a acontecer em maior escala com a implantação de tecnologias 5G? E, nisso, quais serão os desafios da cibersegurança na próxima década?

RH: Sim, essa é uma possibilidade concreta, na medida que, com o surgimento e difusão da 5G, tendem a disseminar-se redes e sistemas complexos e de grande abrangência, envolvendo a conexão de dispositivos, processos e pessoas, em aplicações críticas, cuja danificação ou interrupção têm potencial de causar grandes prejuízos e até ameaçar a saúde e a segurança física de pessoas. Nesse contexto, será essencial desenvolver processos e tecnologias que aumentem a segurança de tais sistemas e permitam lidar com ataques de sofisticação crescente.

CP: Bem antes disso, tendo no celular a concentração de muitos dados importantes, como se proteger? 

RH: O desafio de proteger informações acessíveis via celular torna-se complexo, em virtude de que abrange a totalidade dos usuários, a maioria dos quais é desinformada a respeito das ameaças e das medidas de proteção adequadas. Infelizmente, essa grande maioria está bastante exposta a ataques e aos prejuízos decorrentes, e tal situação não parece estar a caminho de modificar-se a curto prazo. Torna-se necessário realizar campanhas educativas, aumentar a segurança intrínseca das aplicações mais críticas e populares e aumentar a dissuasão pela tipificação criminal das ofensas e pela identificação e punição efetiva dos responsáveis.


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