O avanço das mulheres

O avanço das mulheres

Mauren Xavier

Marina Barros, uma das fundadoras e diretoras do Instituto Alziras

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A partir de 2021, a política nos municípios será mais feminina e plural. Conforme as urnas, tendo como base a eleição do domingo passado, houve um aumento de prefeitas e de vereadoras eleitas. Em Porto Alegre, foi uma mulher a mais votada para a Câmara de Vereadores. No Rio Grande do Sul, houve crescimento de mais de 50% no número de prefeitas eleitas. Apesar dos bons números, o desafio para aumentar a participação das mulheres na política ainda é grande e passa, também, por uma mudança nos partidos. Essa é a avaliação de Marina Barros, uma das fundadoras e diretoras do Instituto Alziras, que busca promover o aumento da participação feminina na política.

A seguir trechos da entrevista concedida ao Correio do Povo.

A eleição de primeiro turno no último domingo trouxe um crescimento na representação feminina, tanto no comando das prefeituras como nas Câmaras de Vereadores. Como pode ser entendido o recado das urnas em relação à participação feminina na política?

Na nossa percepção, esse recado foi marcado pela pluralidade das mulheres que alcançaram esses cargos. Tivemos a primeira mulher negra eleita na Câmara de Vereadores de Curitiba. Tivemos mulheres trans eleitas. Tivemos votações expressivas de mulheres negras em Porto Alegre. Há que se comemorar essas candidaturas terem sido bem sucedidas. Mesmo que a gente ainda não tenha, em termos de paridade, um resultado que gostaríamos, a gente enxerga que há avanços em torno das lutas sociais, de grupos e das mulheres. A eleição mostrou que as candidaturas ecoaram desejos dos cidadãos por mais representação, pela ocupação destes espaços pelas mulheres. Em 2016, por exemplo, em nove capitais não tinha sequer uma mulher negra eleita como vereadora. E, neste ano, além dos 48% dos vereadores eleitos serem pessoas negras, em quatro capitais, as vereadores mais votadas foram mulheres negras ou mulheres jovens. O recado, pelo menos de uma parte dos eleitores, é que essa renovação precisa ser feita. Ela precisa acontecer. 


E é preciso levar em consideração que foi uma campanha completamente atípica.

Exatamente, em período de pandemia, em um tempo muito curto de campanha, o que favorece exatamente quem já está na política, quem já tem visibilidade. Então, a gente olha para isso com muita esperança. É uma vitória muito grande dessas mulheres, de conseguirem, neste contexto todo, terem a votação que tiveram.

Temos a questão da cota, que erradamente é chamada de cota para mulheres, quando na verdade é cota de gênero, que prevê uma presença mínima feminina. E temos a maior parte do eleitorado feminina e jovem. Estamos caminhando para termos uma classe política mais próxima do perfil da sociedade? 

A política no Brasil sempre foi dominada por homens brancos. Em todas as esferas. Isso é devido a inúmeras questões estruturais e culturais que temos no nosso país e que criam verdadeiros obstáculos para a participação das mulheres na política. Para dar um exemplo, tem uma pesquisa que indica que as mulheres gastam duas vezes mais tempo nos trabalhos domésticos do que os homens. Assim, é menos tempo para elas se lançarem à política. Em relação aos recursos, que é outro fator importante para se ter condições de ser eleita, a lei no Brasil até 2018 colocava um teto no financiamento de campanha de mulheres de 15%. Então, você poderia ter 40% de candidaturas de mulheres, mas tinha 15% de teto de financiamento para essas mulheres. Essa lei, graças às organizações que trabalharam, se tornou inconstitucional e passamos a ter financiamento proporcional. Então, essa discussão das cotas é fundamental que a gente mantenha e avance na verdade. Porque os elementos que impedem que as mulheres participem da política precisam ser derrubados, de alguma maneira. 

Por exemplo? 

Essa questão de as mulheres ocuparem espaços privados e domésticos. Essa é uma ideia cristalizada que ainda temos na cultura. A questão do financiamento, como falávamos. Infelizmente ainda estamos um pouco distantes de uma situação de paridade, digamos assim, de representação e vemos isso especialmente no âmbito local. Por isso essas eleições municipais foram tão importantes. É no espaço local que estão as maiores chances de as mulheres participarem da política. As mulheres que são lideranças comunitárias, conselheiras tutelares, diretoras, professoras, enfermeiras... Pela pesquisa que fizemos com as prefeitas de 2017 e 2020, 88% delas participavam antes de alguma organização política da cidade. Então, elas já faziam política, mas, por algum motivo, tem um teto de vidro que não permite que elas avancem. 

Quando a senhora fala de teto de vidro, se refere à necessidade de crescimento da presença das mulheres dentro dos partidos?

Isso. Tem uma lição de casa para os partidos fazerem para impulsionar mais mulheres na política. Os partidos têm 45% das suas filiadas como mulheres e apenas 21% são lideranças. Quando entrevistamos as prefeitas, 70% disseram que não se sentiam representadas nos cargos de lideranças nos partidos. Então, os partidos precisam fazer a sua lição de casa. Há outro dado interessante, que é bastante alarmante, no nosso ponto de vista. Apenas um terço das entrevistadas (prefeitas) afirmou que seu partido realizava algum tipo de iniciativa de preparação das candidatas no ano anterior às eleições de 2020. E os partidos têm recursos para isso, pois 5% do valor do fundo partidário é destinado para os programas de formação de mulheres na política. 

Assistimos a diversas iniciativas e campanhas buscando ampliar a presença das mulheres na política. Mas há reflexos efetivos ou ficam apenas no discurso? 

É esse caminho que a nossa pesquisa buscou entender e saber o que estava acontecendo. Porque sempre ouvimos o discurso favorável dos partidos pela eleição de mais mulheres, por programas, ou suas plataformas e discursos de dirigentes. Mas a gente acredita que os partidos políticos são instituições-chaves para a democracia brasileira. Então, começamos a investigar o que precisava ser feito em termos de ações mais efetivas, que ainda estavam insuficientes para eleger mais mulheres. Estimamos que, entre 2010 e 2015, cerca de R$ 28,5 milhões deixaram de ser investidos pelos partidos em programas de participação das mulheres na política, a revelia da imposição legal dos 5%. Ainda há inclusive um desconhecimento dessa obrigatoriedade. São prefeitas que estão nos mandatos e têm total condição de dizer para os partidos o que é importante de ser feito para fortalecer as candidaturas de mulheres. 

Voltamos a questão da atuação dos partidos nesse processo.

Claro. Passa pelos partidos também se tornarem estruturas mais democráticas, transparentes e mais representativas também dos diferentes grupos que formam a sociedade. Os partidos têm uma lição de casa importante a fazer. As decisões ainda estão muito centralizadas em algumas lideranças políticas. Então, a gente acredita muito que a democracia que a gente quer fora dos partidos, primeiro precisa ser enxergada dentro. Inclusive para eles recuperarem a credibilidade na sociedade. As instituições já perceberam há algum tempo que precisam instituir diversidade de forma radical nas suas estruturas. Isso porque as empresas viram que isso traz mais resultados para elas. E as empresas trabalham pelo lucro. Ter diretoras mulheres, negras, equipes com mulheres, homens, negros, trans, as empresas já vêm trabalhando isso há muito tempo e com deficiências ainda. Mas vemos avanço. Mas na perspectiva dos partidos ainda não houve esse clique. Não teve a percepção de que precisam radicalizar nos programas de diversidade, em relação aos que têm poder de decisão. 

Aproveitando esse gancho e voltando aos resultados da eleição neste primeiro turno, foi emblemático termos uma quantidade maior de mulheres concorrendo e eleitas. Existe uma questão de representatividade fortíssima. Como avaliar esse ponto? 

Com certeza é um estímulo a mais. É um movimento muito importante para inspirar mulheres e meninas a se verem representadas nestes espaços de poder. Temos atualmente 7% da população brasileira que tem como representante maior do seu município uma mulher, uma prefeita. Então, 93% de todas as meninas olham para um homem na prefeitura. Não enxergam uma mulher. Então, imagina o que isso impacta no imaginário delas sobre a possibilidade de ocuparem esses espaços. Esse papel de construção do imaginário possível para as meninas, as meninas negras, é fundamental para inspirá-las a seguir nessa carreira, como um espaço possível de ser ocupado. E ir contra a imagem cristalizada de que a mulher não pode ocupar esses espaços políticos é fundamental para mudar.

Quando falávamos no início da entrevista sobre os recados das urnas, achas que já é um indicativo para 2022, quando estarão em disputas vagas nos estados e no país? 

Em 2018, nós já vimos um crescimento da bancada feminina no Congresso Nacional, passando de 10% para 15%. É um aumento expressivo. Há vários fatores, mas um deles foi a alteração na regra de financiamento de campanha. E agora temos novamente um aumento na representação nas câmaras de vereadores e, infelizmente, não tivemos aumento expressivo de mulheres prefeitas, mas não dá para ter a resposta final, até porque ainda temos algumas disputas. Esperamos que, para 2022, se comprove essa tendência de aumento no Congresso e nas Assembleias Legislativas. Assim, a partir dos cargos locais, elas vão construindo suas carreiras, acumulando capital político e vão avançando. É um círculo virtuoso, uma mulher bem avaliada na prefeitura, faz com que os eleitores se sintam estimulados a votar em mulheres. 

Como é o trabalho do Instituto Alziras na formação de mulheres na política? 

O instituto é uma organização sem fins lucrativos fundada em 2017 e que trabalha para ampliar a representação das mulheres na política e também ajudar a qualificar o mandato dessas mulheres. Trabalhamos muitos com pesquisa, como a das prefeitas, em que traçamos a trajetória e o perfil das prefeitas eleitas em 2016. Agora, lançamos a plataforma das Mulheres nas Eleições, que busca trazer os dados da participação das mulheres. Pretendemos com isso contribuir com o debate público, colaborar com a elaboração de novas práticas políticas e sociais e produzir outro sentido para a ideia de democracia representativa no país, com a representação maior das mulheres, não só ocupando espaço, mas com mandatos. É ser mais uma ferramenta nessa ampla luta que as mulheres já vêm travando para que tenhamos mulheres nas posições de decisão e na luta contra as opressões. 


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