Pedro Simon: "Brasil vive novo momento"

Pedro Simon: "Brasil vive novo momento"

Prestes a completar 90 anos, ex-senador recebeu o CP em sua casa em Rainha do Mar

Gabriel Zanin Guedes

Pedro Simon acredita que os brasileiros estão engajados na política como nunca fizeram antes

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Em sua casa em Rainha do Mar, no município de Xangri-lá, o ex-senador Pedro Simon recebeu o Correio do Povo para uma conversa. Perto de completar 90 anos, no próximo dia 31, descendente de imigrantes libaneses, nascido em Caxias do Sul e advogado, foi governador entre 1987 e 1990, ocupou uma cadeira no Senado por 4 vezes, além de ter exercido mandato de deputado estadual e ter chefiado o Ministério da Agricultura no governo do presidente José
Sarney. Construiu uma trajetória pública de 65 anos, o que lhe deu um olhar acurado sobre a política nacional. Como testemunha viva da história, um dos criadores do MDB e protagonista no movimento Diretas Já, ele considera estar vendo um novo momento histórico do país, em que as redes sociais ganharam importância no debate político. O ex-senador prevê um ano de 2020 complicado nas eleições municipais. 

Como o senhor está percebendo o Brasil de agora?

Eu tenho 65 anos de política e nós nunca vivemos um período tão significativo quanto este que estamos vivendo agora. E eu vivi em 1964 a derrubada do Jango, a criação da ditadura, o movimento MDB pelas Diretas Já, a eleição do Tancredo, o Sarney assumindo, o período do Collor, do Fernando Henrique e do Lula. Mas hoje há uma diferença: nós temos que nos interrogar como está este governo? Digo que ele deve ser analisado sob alguns ângulos. Primeiro, não há como deixar de reconhecer que estamos vivendo um momento estranho. Aquele presidente da República, uma figura que durante toda sua vida, que durante 27 anos foi deputado federal e não teve nenhuma participação maior na política brasileira, de repente surgiu no auge da Lava Jato, da modificação, das mudanças, das mágoas, do sofrimento. Todo mundo queria mudar e tinha que ser feito alguma coisa. Ele surgiu com a candidatura e foi realmente uma coisa espetacular, uma vitória maiúscula em cima dos demais partidos políticos. Ele tinha um partido insignificante. Não fez a campanha, levou uma facada e ficou hospitalizado. Não participou dos debates, das entrevistas, não foi a comício e não foi a lugar algum e muita gente disse que isso foi fundamental para vitória dele. Se ele tivesse se exposto, talvez o resultado tivesse sido diferente. O que se capitalizou nesta eleição foi a presença dos movimentos, da mocidade, das redes sociais, uma participação até então nunca imaginada. Nós imaginamos, uns tempos atrás, a força que a Rede Globo teve na história do Brasil. Ela foi a grande responsável pela queda do Jango em 1964, fazia oposição radical e tinha praticamente o controle total da imprensa. Nesta eleição, o papel da imprensa foi muito inferior. As redes sociais atuaram, debateram, atualizaram e modificaram e foi realmente uma verdadeira revolução.

As pessoas estão participando mais diretamente da política…

Como nunca fizeram antes. Então ele (Jair Bolsonaro) ganhou, se elegeu. E a partir da eleição, mais algumas análises precisam ser feitas. Ele escolheu uma pessoa importante, o juiz Sérgio Moro. A partir da sua grande atuação na Operação Lava Jato, se modificou a história do Brasil. A história do Brasil se divide entre antes e depois da operação. O Brasil tem longa trajetória de impunidade, onde praticamente a punição só existia para gente pobre e humilde. Qualquer posição mais importante, mais significativa, não tinha um dia de cadeia. O Brasil tem isso. Não há na nossa história até a Lava Jato, um político importante, um empresário, um militar, um senador, um deputado que tivesse um dia de cadeia. De repente teve isso. Presidente da República foi pra cadeia, políticos perderam mandato, presidente da Câmara está na cadeia, empresários dos mais ricos foram pra cadeia. Isso realmente balançou a república brasileira. Isso fez com que a figura do Moro adquirisse uma projeção muito grande. E a escolha dele para ser o ministro da Justiça, e mais o Ministério da Segurança Pública, dando poderes para ele agir, deram credibilidade muito grande. A outra foi a escolha do ministro da Economia. Na escolha, ele (Bolsonaro) teve uma atuação muito significativa: escolheu um homem de responsabilidade. O Guedes na frente e todos os auxiliares dele, com uma unidade na economia. Isso nunca foi feito. A gente sabia que qualquer briga que tinha na área da economia, das finanças, qualquer, um ministro falava A, outro B e a área econômica ficava totalmente dividida, sem ninguém com autoridade. Isso ele fez. E uma coisa muito importante, neste primeiro ano, é que não se vê briga, divisão na área econômica do governo.

O senhor é profundo conhecedor do Poder Legislativo. Como foi esta relação do presidente com os parlamentares?

Foi de aspecto negativo. Primeiro, já temos 30 partidos e mais uns 20 que estão para se criar. E agora o presidente quer mais um. Então, a via partidária é muito conturbada. Mas aconteceu uma coisa interessante: o presidente da República tem uma atuação muito inexpressiva com o Congresso Nacional, não tem liderança, uma maioria garantida. É uma interrogação a cada projeto. O Congresso começou a ter atuação: de modo especial o presidente da Câmara. Justiça seja feita, ele está tendo uma atuação, uma coordenação, e o Senado está vindo atrás e, pela primeira vez, estamos sentindo que as reformas de base podem ser implantadas. E o que é mais importante, sem uma guerra, sem uma luta, mas dentro de uma perspectiva positiva do que acontece.

É saudável este protagonismo do Congresso?

Já tinha acontecido isso na reforma trabalhista, aconteceu na reforma da previdência e vai haver mais ou menos a mesma coisa na reforma administrativa, na reforma política e na reforma dos impostos. Vai haver uma modificação e uma atuação importante do Congresso Nacional. Os presidentes da Câmara e do Senado estão tendo a competência para coordenar os deputados e senadores para eles atuarem nestes dias. A situação está assim: tem esta divisão, o presidente está muito conturbado e nós precisamos ter uma atuação. E isso, estranhamente, de uma maneira positiva, está funcionando. Temos que salientar que é o que está acontecendo. 

Senador, e o aspecto econômico?

Eeste ano a economia vai melhorar. Nós vínhamos de um quadro de recessão mundial e estávamos dentro dele. O 13 milhões de desempregados é um número que assusta. Realmente, nós temos que fazer o máximo possível para diminuir este quadro. Nossa agricultura está indo de uma maneira fantástica. Quando fui ministro da Agricultura, fizemos uma festa quando o Brasil produziu 50 milhões de toneladas. Hoje estamos produzindo infinitamente mais e a nossa perspectiva, em termos de futuro, é ilimitada. Temos um Brasil com tamanho de continente e as maiores reservas de água doce do mundo, as maiores reservas de terras agricultáveis e reservas de minérios. O Brasil é uma potência, está na hora de acordar. O setor agrícola do Brasil vai crescer. Nosso problema será a colocação no mercado daquilo que podemos produzir. Mas uma questão mais controversa, no qual não se tem um debate, são as privatizações das empresas públicas. Quero dizer, há um sentido de privatizar, de o Estado ficar praticamente com o mínimo. Mas como isso vai ser feito e o que vai acontecer realmente, isso não se tem resposta. O ministro da Economia não tem um passado de participação, não escreveu um livro, não ocupou um cargo. E o cargo que ele ocupou foi no Chile. E essas reformas que foram feitas no Chile hoje têm alguns resultados. A educação do Chile ia bem. Privatizaram. Tudo bem, mas agora a escola atingiu um preço tal que eles não têm condições de pagar. A saúde ia bem, melhorou, mas privatizaram e agora o trabalhador não tem dinheiro para saúde, para escola, não tem dinheiro para o transporte. Então, analisando o Chile, o Brasil deveria analisar como vai conduzir. Hoje nós temos o SUS, que bem ou mal, funciona. No mundo inteiro, acho que somos o único país em que a saúde é um dever do Estado. Então, imagina, se todo mundo, de uma hora pra outra, tem que pagar pela saúde? No Chile foi feito isso. Então acho que essa análise precisa ser feita com mais cuidado.

E o futuro do MDB em meio a tantos partidos?

O MDB tem uma série de problemas, mas o único partido que movimentou o povo foi o MDB. O partido traçou a linha, o povo veio, nós derrubamos a ditadura e fizemos a democracia. Isso é positivo. Mas também, de lá pra cá, o MDB ficou misturado com outros partidos, vai aqui, vai ali. Ele tem que se refazer. Tem uma história, uma biografia, mas em termos de futuro, estamos vendo a possibilidade de ver o que se faz. O próprio Supremo e o Congresso estão estudando em abrir esta emenda da cláusula de barreira. É a melhor coisa que pode acontecer. Acho que isso é muito importante e é muito significativo.

Como está o governo Eduardo Leite e a relação do MDB?

Eu venho discutindo há tempos o problema do RS. No Congresso Nacional, tive inclusive um momento de encontro comigo, o Paulo Paim e o Sérgio Zambiasi, fomos ao Lula e ficamos com ele e a Dilma, chefe da Casa Civil, até tarde da noite, discutindo a situação do Rio Grande do Sul. E eu discutindo com o presidente, dizia: “Olha, presidente, o Rio Grande do Sul está em uma situação dramática. É uma situação que vem de tempo e até agora a gente não consegue decidir, debater, analisar as coisas”. E propus a ele uma comissão, um trabalho para analisarmos o governo do RS. Ele topou, a Dilma topou. Mas o governo do Estado, que era do PT na época, não topou. Não houve nada. E continuou não tendo nada. Não podemos esquecer que lá atrás, o RS só perdia para São Paulo. Pode pegar o Correio do Povo de cem anos atrás. O trecho da ferrovia de Farroupilha até Veranópolis, o Estado fez. A ferrovia de Uruguaiana e de Livramento até Porto Alegre e de Porto Alegre até Santa Catarina, o governo fez, com bitola estreita porque a Argentina era bitola larga e a guerra era inevitável. O Rio Grande do Sul fez os prédios que são hoje da Universidade Federal (Ufrgs). Quero dizer que o RS tinha um grande desenvolvimento. Com o tempo, as coisas foram ficando difíceis. 

Quando andei pelo Mato Grosso do Sul e Mato Grosso, fiquei impressionado com o que tem de gaúcho lá. Tem até no Paraguai. Tudo bem de vida. Tudo gente daqui, fazendeiro. Gente que saiu e são donos de lá. Eles foram pra lá e as terras aqui ficaram vazias. São cidades das quais eles foram embora e praticamente não têm nada. Nunca se olhou para este problema. Quando tinha a Lei Kandir, eu lutei, berrei contra. O que é esta lei? Os produtos exportados, as produções agrícolas, tudo pagava imposto. O Estado recebia. A lei acabou e o Estado não recebe mais. São Paulo não tem problema porque importa muito e exporta mais ainda. Agora, nós exportamos muito e importamos pouco. As premissas da Lei Kandir eram uma montanha de dinheiro. O governo dizia que compensaria a diferença se a exportação fosse muito maior que a importação e essa diferença o governo faria. Não pagou até hoje. Então toda esta discussão sobre a dívida do Rio Grande que é impagável por causa disso. Se sentarmos na mesa, discutir, o que o governo não quer, a Lei Kandir nós resolveríamos o problema do Estado. Mas não há mobilização sobre isso e foi o que levei ao Lula. E ele ficou impressionado e a Dilma também. Eles toparam fazer a reunião. Mas o governo do Estado não quis. Se o governo federal não pode pagar a lei, nós não podemos pagar porque ele não nos pagou. E nem a grande imprensa debate isso. Vejo muitos jornalistas, e jornalistas competentes, que falam que não adianta chorar sobre a Lei Kandir. Mas a dívida existe. É algo muito simples. 

O que senhor acha da gestão de Eduardo Leite?

Eu gosto dele, é um rapaz competente, fez uma boa prefeitura em Pelotas. Mas o Sartori foi um baita governador. Levou esta situação também com muita competência, muita seriedade. O governo Sartori não aumentou o funcionalismo, não botou mais gente, não fez absurdos. A última eleição foi uma eleição dramática para o governo do Estado. Nos outros Estados foi uma confusão. Mas um cara que foi perfeito, que não tem uma vírgula, foi o Sartori. Isso é um ponto positivo. Faço questão de dizer que toda essa bandalheira que tem por aí, aqui no RS não envolve partidos, não envolve governadores. Isso é bacana. Aqui no RS a política é diferente. O Leite está continuando a fazer o que o Sartori fez. O Sartori fez o que foi possível e não tem milagre. Mas é claro que na campanha o Leite tinha que dizer que no primeiro ano ia parar de parcelar os salários e ele ganhou com isso. Os professores estão ganhando pouco, mas o governo não tem como pagar. Então como vamos fazer? Têm algumas coisas que ainda levam uma interrogação, quando a imprensa fala de professores em fim de carreira, com mestrado, ganhando “x”, e um cabo da Brigada ganha “x+2”. Então essas diferenças não sei responder, mas deve ser respondido. Mas que o RS está muito mal, está. Tenho respeito pelo que o governador está fazendo e a coisa certa é continuar o que o Sartori fez. Mas o problema do Rio Grande do Sul é muito mais sério. A imprensa toda tinha que se reunir para debater. Tem coisas que não é de bater boca pelo jornal. É de se entender e fazer alguma coisa. 


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