Planejamento do futuro

Planejamento do futuro

Pessoas, organizações e empresas andam mais preocupadas com o que está por vir

Felipe Uhr

Jaqueline Weigel, CEO da W Futurismo.

publicidade

Quem de fato se planeja para o futuro ou se preocupa com ele? A dinâmica como acontecem as transformações em um mundo tão globalizado está fazendo com que as pessoas, organizações e empresas tenham ainda mais preocupação com o que está por vir. Com isso, uma nova profissão no mercado está cada vez mais comum: futuristas profissionais. Uma dela é Jaqueline Weigel, um dos principais nomes da disciplina de Futurismo, Foresight e Futures Studies no Brasil, responsável por disseminar o conceito e fomentar o estudo do tema em território nacional. O Correio do Povo entrevistou a profissional para falar sobre futuro, planejamento e perspectiva. A seguir, os principais trechos.

A senhora se descreve em seu perfil no Instagram como Futurista. O que essa denominação quer dizer? 

Futurista profissional é alguém qualificado com metodologias acadêmicas para poder mapear, rastrear sinais de mudança e fazer projeções e hipóteses para o futuro de forma organizada e estruturada, é quase uma engenharia. Para isso, é precisa ser qualificado em academia, em escola, em cursos que estão por aí no mundo todo. Nós temos esse curso aqui no Brasil em português, somos a única consultoria que tem. O que um futurista faz é organizar o debate sobre o futuro, traduzir os sinais de futuro. Ele fomenta com metodologias, projeções que podem influenciar as decisões do presente. Então, isso é o termo futurista no aspecto profissional. É diferente de alguém que é engenheiro ou professor e também tem esse pensamento voltado para o futuro. Aí a gente está falando de um profissional com habilidades de olhar para o futuro, mas não de um futurista profissional. Não é uma profissão regulamentada. Mas esse é o standard, os padrões que o mundo inteiro usa.

Como o brasileiro tem pensado o futuro?

O mundo está vivendo uma grande transformação, mas também está vivendo grandes crises em todas as esferas. E o brasileiro, assim como muitos outros povos, tem dificuldade de lidar com longo prazo. A Era Industrial nos fez pensar no curto prazo, trazer soluções para o curto prazo, então o mundo inteiro está com um desafio, com dificuldade. Acho que há dificuldade generalizada em termos de desenvolvimento, de pensamento, mas o Brasil, sem dúvida, é uma promessa para o futuro, mas não sinto que está acompanhando o movimento do mundo, principalmente em termos culturais. A gente está muito preso aqui a achar que a falta de emprego e fatores econômicos têm a ver com gestão política. Temos um cenário político ruim olhando por todos os lados, mas as empresas de fora também veem no Brasil uma potência, especialmente quando se aproxima, como no ano que vem, uma crise de alimentos por causa da guerra da Ucrânia. Temos economia, finanças e alimentos se encontrando numa trilha bem perigosa. E sim, vamos passar por muitas crises ainda. Então, sinto o Brasil ainda muito reativo, muito sobrevivente e muito pouco explorador do seu real potencial. Mas perdemos muito tempo com polêmicas que não nos levam para lugar nenhum, com insistências empresariais de modelos que já se provaram fracassados. Porque a inovação é o que pavimenta o presente, não exatamente o futuro. Em muitos lugares, estamos inovando sem saber para onde estamos indo e isso pode ser um problema no médio e longo prazos. Quem não sabe para onde vai, acaba tropeçando em qualquer lugar. A inovação é maravilhosa, precisamos dela, mas globalmente muitas vezes também essa pergunta não é respondida: por que estamos inovando assim? Para onde estamos indo? Porque só responder ao que a sociedade precisa agora, sem pensar no que realmente precisamos, é como construir uma casa sem fazer uma planta, na base do “vamos indo”.

Como a senhora enxerga o futuro global?

Há sempre mais de uma possibilidade. Podemos construir um futuro muito melhor do que foi o passado. Podemos continuar nos arrastando para esse modo de viver difícil, sem igualdade, sem respeitar adversidade. Mas o futuro tem uma porta clara no século 21: eu chamo de biocentrismo. Que não é mais colocar o ser humano e suas necessidades no meio de tudo, no topo de tudo em detrimento de prejudicar a natureza. Acho que os investidores estão mudando, a população está mudando, os jovens estão nos guiando para outra direção. A sociedade não aceita mais qualquer tipo de negócio. E quando falamos em sustentabilidade, tem muito a ver com pessoas, como as empresas tratam as pessoas, como governo trata o cidadão, o que o cidadão de fato precisa, como é o nosso processo de governança, de onde vem o produto, como ele é fabricado. Eu diria para você que em 2030 as empresas que não tiverem compromisso com sustentabilidade, diversidade e suas práticas de governança transparentes e saudáveis não terão lucros sustentável e talvez não terão acesso nenhum tipo de investimento ou dinheiro no mercado. Então acho que estamos de verdade em um movimento acelerado de mudança. 

Quais aspectos as pessoas vão ter que conhecer se quiserem acompanhar esse novo futuro?

Primeiro, desapegar-se totalmente de suas crenças e do mundo como ele foi. O mundo anda para frente, não para trás. Segundo, voltar a aprender coisas novas todos os dias, voltar para a sala de aula, a frequentar lugares diferentes. É fato que quando ficamos em torno da mesma tribo, fazendo a mesma coisa, com pessoas que só pensam igual à gente, nosso pensamento fica muito pobre. E não esperar a mudança acontecer para então tomar alguma providência. Ser um pouco mais proativo. As pessoas duvidam muito das coisas e aí quando acontece uma coisa repentina, não estão preparadas. Estar ciente que a única certeza que nós temos é a incerteza. Então, profissionais de todas as idades e pessoas de todos os núcleos sociais precisam entender o que está acontecendo no mundo, ele está se transformando rapidamente. Mas a nossa vida orgânica está tendo cada vez mais valor, tanto que 65% das pessoas no futuro terão deixado as grandes metrópoles. Então, a grande pauta é a qualidade de vida: como a gente vive a integração da vida do trabalho saudável, negócio sustentável e um novo jeito de pensar. Precisamos ter responsabilidade com o que fazemos hoje. Nós e as próximas gerações vão viver o resultado do que estamos decidindo hoje. Chamamos de pensamento antecipatório. Acho muito mais difícil viver num mundo como esse, com pessoas que negam a mudança, ou com pessoas que só trabalham na mudança, quando não tem mais outro jeito. Acho que essas não têm muito futuro não. Quem se antecipa, além de liderar o mercado futuro e a vida futura, influencia muita gente, acaba tendo uma vida mais abundante.


Mais Lidas





Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895