Planejamento marca vacinação

Planejamento marca vacinação

Felipe Samuel

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Chefe do Serviço de Transplante de Pulmão do Hospital Tel-Hashomer, em Tel Aviv, Israel, o gaúcho Milton Saute acompanha desde o final do ano passado o processo de imunização contra o novo coronavírus iniciado no país. Natural de Porto Alegre e formado pela Ufrgs, o cirurgião torácico - que mora há 31 anos na cidade - explica que o governo israelense começou o planejamento para vacinação dos 9 milhões de habitantes logo que a pandemia se alastrou pela Europa e Oriente Médio. Até 12 janeiro, pelo menos 1,9 milhão de israelenses tomaram a primeira dose do imunizante - cuja prioridade foi dada a profissionais da saúde e idosos acima de 60 anos. Por conta da profissão, Saute recebeu as duas doses do imunizante e ganhou o passaporte com o certificado de vacinação contra a Covid-19. Nesta entrevista, ele relata as medidas adotadas pelas autoridades de saúde para conter o avanço da doença e o novo ‘lockdown’ decretado pelo governo no dia 8, que vai durar pelo menos duas semanas.

Como está o processo de vacinação que começou no final de dezembro em Israel?

Quando começou a pandemia do novo coronavírus, em março, começaram a falar em vacinas da Moderna, Pfizer, Oxford, além do Instituto de Biologia de Israel, que também começou a fazer a vacina. O governo de Israel se antenou logo para isso e já em abril fizeram contrato pagando adiantado para a Moderna e a Pfizer para aquisição de 4 milhões de doses de cada uma. Israel adiantou dinheiro para eles, foi mais de 1 bilhão de dólares. Com isso eles tiveram dinheiro para continuar as pesquisas. Isso deu prioridade para Israel receber as vacinas. E como aqui é um país de 9 milhões de habitantes, com infraestrutura de saúde comunitária muito bem organizada, foi muito fácil organizar. As vacinas tiveram autorização da FDA (órgão americano equivalente à Anvisa) e em três dias as doses da Pfizer começaram a ser aplicadas na população acima de 60 anos.

Começou pelos corpos clínicos de todos os hospitais, onde foram obrigados todos a se vacinar. No meu hospital, que tem em torno de 9 mil funcionários, todo mundo foi obrigado a fazer dosagem de anticorpos. Quem tinha anticorpos para o coronavírus não recebeu a vacina. As vacinas começaram a ser aplicadas em 19 de dezembro, quando Netanyahu (primeiro-ministro Benjamin Netanyahu) tomou a primeira dose. No dia 20 de dezembro começou a vacinação em todos os hospitais. Quatro dias depois o corpo clínico de todos hospitais de Israel estava vacinado. Aí passaram a vacinar pessoas acima de 60 anos. As pessoas acima de 60 anos começaram a receber informações em seus telefones, com local e data da vacinação. Além disso, para todo mundo que já foi vacinado, o governo se comprometeu a guardar a segunda dose. Quando me vacinei, dia 21, recebi um passaporte, no qual está escrito a data e o local da minha próxima vacina. Por outro lado, Israel está enfrentando dificuldades com essa nova cepa do vírus, que vem da Inglaterra e está fazendo um estrago grande. Nessas últimas duas semanas o vírus começou a se difundir de maneira muito agressiva. Estamos em torno de 10 mil pessoas positivas por dia, que é um número muito grande em Israel. Tem ainda um número grande de doentes graves, porque a virulência dessa nova cepa é muito grande. Isso se deu porque um mês e pouco atrás, quando Israel fez acordos com Dubai e Bahrein, mais de 50 mil israelenses foram visitar esses locais e trouxeram de lá a doença. Havia aviões com metade dos passageiros contaminados. O governo decretou novo lockdown a partir de 8 de janeiro, que deve durar pelo menos duas semanas.

Isso também para dar tempo de fazer a primeira parte da imunização?

Temos mais de 30 casos de pessoas que fizeram a primeira dose e que ficaram doentes depois. A primeira dose não provoca imunidade pelo menos na primeira semana. Pessoas que tinham o vírus incubado, sem saber, fizeram a primeira dose e ficaram doentes 4 ou 5 dias depois. O que se sabe aqui é que realmente, quando fizer a segunda dose da vacina, tu vais ter não mais do que 50% da carga de imunidade que precisa ter. Imunidade total vai se conseguir uma semana depois da segunda dose. Aí a pessoa vai ter de 94% a 95% de não se contaminar e caso se contamine, desenvolverá doença mais leve, sem grandes repercussões.

Israel vive alguma lotação de Unidades de Terapia Intensiva (UTI)?

Todos os hospitais de Israel têm uma área subterrânea de urgência em caso de guerra. Então foi muito fácil transformar essas áreas subterrâneas, que são grandes enfermarias, em unidade de tratamento intensivo. No meu hospital temos quatro unidades de tratamento intensivo para coronavírus. Não falta lugar aqui, não falta leito ou respirador. Temos vários pacientes em circulação extracorpórea (CEC). Eu, que trabalho com transplante de pulmão, tenho quatro pacientes há mais de cem dias conectados a esse aparelho, a essa máquina coração/pulmão, esperando doação de pulmões. Tem muitos pacientes que o vírus não mata, mas ficam com dano pulmonar irreparável. Nosso hospital tem serviço de ambulatório pós-coronavírus voltado a pessoas que ficaram com dano pulmonar. Muito provavelmente a fibrose que o vírus causa é irreversível. Então muita gente vai precisar de transplante, não só aqui como em todo o mundo. Por outro lado, as doações de órgãos, em 2020, em todo o mundo, foram reduzidas a mais da metade. Por causa da Covid-19, o número de transplante de órgãos no mundo caiu porque não se tinha certeza que os doadores estariam contaminados ou não pelo vírus.

A vacinação está ocorrendo conforme preveem as autoridades? O lockdown pode prejudicar ou dificultar esse plano?

Mesmo com lockdown, pessoal que tem passaporte escrito que tem que tomar primeira ou segunda dose da vacina vai ter direito de se locomover. Para tratamento médico não tem problemas. Em um bloqueio de estrada, se a polícia te parar tem a prova de que está indo para tal lugar com objetivo de saúde. Isso funcionou sempre assim nos lockdowns que tivemos. Eu tenho placa no meu carro que informa que sou médico do serviço público e posso trafegar pelo país sem problemas.

O que Israel tem a ensinar?

O mais interessante é que quando começou a pandemia, em março, abril, se temia que pudessem faltar respiradores artificiais. O governo organizou uma operação internacional, que conseguiu trazer em duas semanas, de todos os lugares do mundo, mais de 5 mil ventiladores. Graças a Deus nunca foram usados, mas estão aí. O máximo de pacientes que estiveram ventilados ao mesmo tempo em Israel foram 490. Quando começou a pandemia tínhamos em torno de 2 mil ventiladores de última geração. E vieram mais 5 mil. Então ao menos falta de planejamento não se tem. As 4 milhões de doses da Pfizer são para servir esses 2 milhões de pacientes acima de 60 anos. E a Moderna é para a segunda etapa da população, com pessoal entre 45 e 60.

Todo esse esforço para tentar retomar a vida normal?

Netanyahu prevê que até a Páscoa se possa tirar as máscaras.


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