Yotuel Romero: “Escolhemos fazer história e não moda”

Yotuel Romero: “Escolhemos fazer história e não moda”

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Liderado por Yotuel, Orishas toca em Porto Alegre em fevereiro. Foto: Henryk Kotowski / Divulgação / CP


Quase dois anos depois da abertura política e econômica de Cuba, Porto Alegre vai receber pela primeira vez um típico grupo cubano de protesto, cujos integrantes moram todos na Europa e ganharam o mundo com a música que representa Cuba, vendendo mais de um milhão de cópias dos seus quatro álbuns de estúdio. O grupo Orishas fará sua estreia na Capital dia 22 de fevereiro, às 21h, no Opinião (José do Patrocínio, 834). Os ingressos a partir de R$ 160 (promocional com a doação de 1kg de alimento) estão sendo vendidos pelo site ou nas lojas Youcom e Multisom na Capital. O grupo de hip hop foi formado em Havana (Cuba), em 1999. No começo da carreira, o conjunto foi chamado de Amenaza (ameaça, em português) e, desde então, arrebatou jovens em todo o mundo que buscam por músicas de protesto e de conscientização. Com quatro álbuns de estúdio - “A Lo Cubano” (1999), “Emigrante” (2002), “El Kilo” (2005) e “Cosita Buena” (2008) -, a banda formada inicialmente por Yotuel Romero Manzanares, Roldán González Rivero, Hiram Riveri Medina e Flaco Pro, teve a saída de Flaco Pro, logo após o lançamento do quarto disco. Entre 2010 e agosto de 2017, houve um hiato do trio, que foi quebrado pelo lançamento do “Sastre de tu Amor”. Para divulgar o trabalho, o Orishas iniciou uma pequena turnê de reunião passando pelos EUA, América do Sul e da Europa. Durante este giro, foram filmados quatro vídeos que devem ser lançados em breve. A banda deve liberar três singles inéditos nos próximos dias, todos em preparação ao álbum “Gourmet”, que será lançado em abril. No repertório do show, devem estar clássicos como “Atrevido”, “A Lo Cubano”, “Guajiro”, “Elegante”, “El Kilo”, entre outras canções.

O Correio do Povo conversou com o líder dos Orishas, Yotuel Romero, sobre o hiato da banda, o show em Porto Alegre, a paixão dos integrantes do grupo pelo Brasil, a saída de Flaco Pro, Fidel e Raúl Castro, o novo disco, a música pelo mundo, entre outros assuntos.

Correio do Povo: Qual foi a grande centelha dos Orishas para tanto sucesso nestas quase duas décadas?
Yotuel Romero: Estamos realmente procurando o que foi essa faísca. Na verdade, eu não chamaria de uma faísca, mas de uma magia. Foi mágico! A magia de fazer música pelo amor à arte, sem estratégias, sem redes, sem conceitos. Fomos fazer música através das veias e transmitida por meio da boca. Eu acho que a faísca foi essa, tentando fazer algo especial e, sobretudo que sempre nos foi dado igual à moda. Porque, por acaso, a vida nos fez escolher: o que vocês querem fazer: moda ou história? Escolhemos fazer história e não moda.

CP: Fale-nos um pouco sobre o que vocês fizeram neste hiato de sete anos e sobre o novo material. O que será apresentado nos shows desta turnê, que passa por Porto Alegre?
Yotuel Romero: Durante este tempo, Ruso fundou uma banda e se dedicou a ensaiar e a misturar sons e músicas que queria experimentar pessoalmente. Roldán foi o que ficou mais tranquilo, porque começou a escrever e a compor para alimentar seu próprio repertório. E no meu caso, abri minha gravadora. Eu tive tempo para ensaiar, mas sobretudo para produzir o que eu queria e colaborar com grandes artistas. Eu compus álbuns como "Quien Quiere Escuchar”, de Ricky Martin, que ganhou um Grammy Americano. Eu também compus para Ruben Blades, Chayanne, Thalia, entre outros artistas latinos. Para Porto Alegre, trazemos tudo o que sempre tem sido os Orishas: seu legado, sua tradição, sua essência. Estaremos com toda a energia deste novo álbum chamado “Gourmet”, que sai em abril.

CP: Por chamar-se Orishas, qual é o grau de envolvimento espiritual de cada um de vocês?
Yotuel Romero: Em termos de espiritualidade no grupo, eu tenho um papel importante, já que na nossa religião de Orishas, ocupo uma posição de sacerdote. Roldán não é uma pessoa religiosa, mas espiritualizada. Na verdade, entre todos, o que tem o maior grau de conexão com o nome e com essa espiritualidade sou eu, líder da banda.

CP: Como os Orishas estão atualmente posicionados em relação ao momento politicamente correto do mundo, já que vocês sempre tentaram escapar do estereótipo do hip hop americano?
Yotuel Romero: Sempre seguimos com nosso discurso, nosso conceito, nosso propósito. Nunca cairemos no clichê americano. Somos outro tipo de rap, um tipo de rap a la Kendrick Lamar. Somos mais esse tipo de artista, com outros tipos de características, com outro sabor. Esta sempre vai ser a nossa idiossincrasia; do tipo de ser Orishas, não de imitar a outro. Nosso objetivo sempre vai ser fazer boa música, com nosso selo. Preferimos que nos imitem. Eu prefiro que eles saquem coisas como Camila Cabello, com um som muito semelhante ao do Orishas e isso me faz feliz. Penso que é bom que estes artistas americanos em ascensão tomem como referência elementos dos Orishas para fazer sua música. Todos sabem que a música "Havana" é um claro exemplo dessa mescla que os Orishas vêm fazendo.

CP: Como é o intercâmbio com outros grupos de hip hop?
Yotuel Romero: Estamos trabalhando para nós e em nossas músicas. Colaboramos com gente que nos chama e que sente interesse real nos Orishas. Não estamos buscando um plano tático. Trabalhamos com pessoas com as quais há uma admiração mútua.

CP: O que você conhece sobre o Brasil e o que você admira deste país e da música brasileira?
Yotuel Romero: O que mais me faz feliz no Brasil é o muito que ele me faz lembrar Cuba. Nós compartilhamos muitos traços. Sua gente, a cor da pele, a praia, a fala, o caminhar, a dança. Nós compartilhamos muita cultura com o Brasil. Existe um gosto por música que, mesmo que a façam mal, acaba parecendo bom. Os Orishas são uma pessoas loucamente apaixonadas pelo Brasil e tudo o que venha deste país.

CP: Qual era a relação de vocês com Fidel Castro e qual é o relacionamento atual com Raúl Castro?
Yotuel Romero: Basicamente não há nenhuma relação com nenhum deles. Nós sempre fomos artistas. Pelo contrário, quando começamos a fazer música, em Cuba, isso era fazer "música inimiga". Tanto foi, que neste ano será o primeiro concerto que faremos em Havana, após a nossa última permissão, que foi há 18 anos, em 2000. Será no dia 24 de março deste ano. Se tivéssemos uma relação direta com Fidel ou Raúl, acho que teríamos tocado muitas vezes mais em Cuba (risos).

CP: Por viver longe de Cuba, qual a sua posição sobre a situação da ilha mais famosa do mundo?
Yotuel Romero: No nosso caso, a condição com Cuba sempre foi tensa e um pouco danosa. Como eu disse, quando começamos a fazer música, eles disseram que era "música inimiga" já que fazíamos rap e isso deixava a situação muito tensa. O que mais me machucava era que os Orishas sempre eram vistos dessa maneira na ilha.

CP: E os projetos pessoais como estão?
Yotuel Romero: A coisa mais linda que aconteceu com a separação foi que, em sete anos, cada um se deu conta, em nível pessoal, de que poderia cuidar de seus projetos e suas coisas. Eu creio que, neste momento, a coisa mais importante que a separação nos deu foi que o conceito de Orishas é a maior coisa que nos aconteceu: tanto a Roldán e Ruso como a mim. Agora, nosso projeto pessoal mais importante é tentar que este álbum que será lançado em abril, seja o mais pessoal e o maior de Orishas. E que seja este o disco que que nos ajude a recuperar nossa posição e assim poder colher mais frutos para o mundo latino.

CP: Gostaria de saber se vocês ainda falam ou trocam ideias com o Flaco Pro?
Yotuel Romero: Lamentavelmente não. Flaco Pro desapareceu do que foi sua vida de Orishas e jamais regressou. Nós tentamos conversar com ele. Tentamos ajudá-lo em sua carreira solo. Desde que abandonou a banda, ele deixou claro que queria prosseguir sua carreira solo. Na verdade, tentei ajudá-lo, mas ele decidiu desaparecer e bem, aqui estamos. Desejamos sempre o melhor, que ele brilhe sempre e que mostre o grande talento que tem: o talento do Flaco Pro. O grande Flaco Pro!

CP: Para fechar o papo, uma opinião sobre o momento atual da música ao redor do mundo?
Yotuel Romero: Muito fast food é como eu chamo isso que estamos vendo e ouvindo. Muita música congelada, música rápida. É comida para comer, não para se alimentar. É por isso que viemos com este novo álbum, chamado "Gourmet". Nós voltamos para colocar novos ingredientes na música latina e sobretudo uma melhor qualidade, com melhor sabor. Com mais tempo para produzir as músicas e com mais amor. “Gourmet” é para matar a fome dos que desejam se alimentar de boa música. Comer não é o mesmo que alimentar-se.

por Luiz Gonzaga Lopes

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