Os desafios do Rio Grande do Sul em 2021: "A retomada da economia depende da vacina"

Os desafios do Rio Grande do Sul em 2021: "A retomada da economia depende da vacina"

Especialistas analisam como superar no próximo ano as dificuldades nas áreas mais atingidas pela pandemia em 2020

Christian Silva

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O Estado tem uma série de desafios em 2021, diante de uma pandemia que ainda não terminou. O fundador e CEO da Bateleur Assessoria, Fernando Marchet, falou com a reportagem do Correio do Povo sobre suas expectativas a respeito, projeções e avaliações do que ocorreu em 2020 com foco para o ano que vem. O também vice-presidente e coordenador da divisão de economia da Federação de Entidades Empresariais do Rio Grande do Sul (Federasul) é otimista quanto ao próximo ano e defende a necessidade de as pessoas saberem ser flexíveis às mudanças – que não foram poucas.

Em diversos eventos virtuais durante a pandemia, inclusive em lives da Federasul, muito se falou das promissoras expectativas para o crescimento do RS e do país para 2020. Obviamente, com a Covid-19, não foi possível. O que se projeta para o próximo ano, em números?

É verdade, se estimava uma retomada mais expressiva da economia em 2020, diferentemente dos últimos anos pós-crise (2014 e 2017), em que houve uma recuperação mais tímida. De forma unânime, os economistas brasileiros esperavam essa retomada por tudo o que observava nos mais diversos setores, e que depois se perdeu por termos sido atropelados não só pela pandemia, como também pelas respostas que foram dadas a ela, fechando praticamente tudo e por muito tempo. Para 2021, a projeção é de uma retomada importante, mas que não compensa a queda, o que mostra o desafio que temos pela frente. Para 2021, estamos falando de um crescimento em nível nacional de 3,8% e de um crescimento em nível estadual de 4,9%, contando com a retomada do agronegócio.

A chegada das vacinas terá um papel determinante para a nossa economia? Por quê?

Sem dúvida. Qualquer perspectiva de retomada da economia, seja local ou internacional, parte do pressuposto de que as pessoas sejam vacinadas durante 2021, mesmo que em momentos diferentes. A chegada da vacina significa que não teremos interrupção da atividade econômica em 2021 e nem viveremos as medidas restritivas de 2020. Tudo o que falarmos em termos de perspectiva de retomada da economia parte deste pressuposto.

Ano que vem será um período tão incerto que deveremos pensar em dados bons e estáveis somente a partir de 2022 ou há como buscar recuperação já em 2021?

A dinâmica dos setores que estão podendo voltar às atividades ou que se adaptaram muito mais rapidamente à tecnologia já mostra que eles podem ter um ano bom se nada de especial acontecer. A resposta que os setores vêm dando é positiva. Lembrando sempre de que para essas projeções partimos de dois pressupostos: 1) não teremos paralisação de atividades como tivemos em 2020; e 2) existirá a vacina. Em nível internacional e nacional, 2021 já deve ser um ano bom. Talvez não cheguemos em todos os setores, em todas as indústrias e em todas as empresas com a mesma proporção de antes da pandemia, mas, no agregado, já vamos ter uma retomada no 2021. Existe uma expectativa de que o Governo Federal volte à agenda de reformas e tenha um olho focado no fiscal para que não tenhamos um problema de médio a longo prazo. Se isso acontecer, estamos otimistas de que teremos uma resposta um pouco mais efetiva em relação ao avanço de algumas pautas importantes para o País. Lembrando que 2022 é ano de eleição, então é importante que tudo que tiver que acontecer, aconteça agora, nestes meses posteriores à eleição na Câmara e no Senado. Até porque, em ano de eleição, as coisas não avançam muito positivamente nesses temas que envolvem questões mais estruturais, que é onde o Brasil efetivamente precisa avançar.

O governador Eduardo Leite tenta fazer movimentos para amenizar as dificuldades no caixa do Estado. Qual a sua opinião sobre a Reforma Tributária proposta pelo Piratini? Quais os pontos positivos e negativos? Eventuais medidas, aprovadas, farão mesmo a diferença para a economia do RS?

No início do mandato, o governador tomou uma atitude corajosa, diferente do então candidato à reeleição, José Ivo Sartori, ao afirmar que, em dois anos, seria capaz de reduzir as alíquotas. Para que isso acontecesse, era muito importante que o Estado avançasse em vários aspectos estruturais e que a economia respondesse muito bem, caso contrário, era praticamente inviável. Essa atitude foi importante tanto para a eleição do governador quanto para ele colher apoio de basicamente todas as entidades. Ele recebeu o primeiro apoio da Federasul no intuito de que as alíquotas permanecessem elevadas, naquele período, para que o governo tivesse tempo e, principalmente, capacidade política de avançar em outros aspectos importantes. O governador foi muito bem nos primeiros dois anos. Conseguiu avançar na reforma da previdência, que não foi perfeita, mas teve bons avanços. Hoje, temos a dificuldade de manter essas tarifas elevadas e o governador vai ter um desafio bastante grande para conseguir viabilizar isso, até pela situação do Estado. Os setores econômicos estão bastante machucados, mesmo aqueles que responderam melhor à crise, e existe uma expectativa de redução de tributos dentro do que o governador havia sinalizado lá no início – e ele vem cumprindo tudo o que sinalizou. Acredito que o Estado sinta falta de ter no mínimo outros pagadores de impostos, para não falar de ter feito algum caixa com empresas que são muito problemáticas, como é o caso da CEEE. Além de ser um problema, ela drena recursos em vez de agregá-los para Estado. O atraso nessas agendas é algo que certamente prejudicou, e também é um ponto em que a classe empresarial questiona o governador – que, de novo, teve um papel positivo em várias outras frentes, mas que talvez neste aspecto, por ter apostado as fichas num outro ente público para fazer a avaliação dos ativos e preparar os leilões e as concessões, pagou o preço de que em dois anos praticamente não conseguiu modelar praticamente nada. O que também é uma pena.

Como as principais atividades setoriais do Estado – agropecuária, serviços e indústria – se portaram nesta pandemia? Qual deverá ser a mais prejudicada e, também, a mais beneficiada com a mudança de ano, que se espera que seja de “pós-pandemia”?

Os diversos setores da economia do Rio Grande do Sul, obviamente, sofreram com a pandemia, em patamares diferentes e com respostas diferentes. O agronegócio teve dificuldades por conta da estiagem do início do ano mas, de outro lado, tivemos os preços compensando as perdas. Já o setor de serviços e a indústria sofreram bastante nos primeiros meses, com exceção daqueles segmentos mais atrelados à demanda por alimentos, remédios e produtos relacionados à necessidade de se estar em casa, que colheram algum resultado positivo pontual. Mas, praticamente todos os setores, em um primeiro momento, sentiram um choque. Então, todo mundo retraiu investimento, retraiu contratação, evitou despesas e postergou pagamentos, o que prejudicou a cadeia como um todo. Com o início das flexibilizações, pudemos observar como os setores vieram respondendo após aquele período mais drástico de parada. No Rio Grande do Sul, a retomada, que vem acontecendo, apresenta uma diferença entre as diversas indústrias. Essa diferença vem atrelada a dois aspectos: 1) como elas foram afetadas no momento de parada (quem parou por mais tempo e de forma mais agressiva leva mais tempo para se recuperar); 2) como as empresas e os seus colaboradores se adaptaram ao uso de canais eletrônicos, do e-commerce e das ferramentas digitais. As empresas que estavam mais preparadas têm respondido mais rápido. As que apresentam dificuldade de adaptação estão respondendo um pouco mais devagar e, muito provavelmente, ainda veremos esse cenário no decorrer de 2021 e até mesmo em 2022. No agregado, com tudo, eu diria que os três setores – agronegócio, serviços e indústria – devem crescer. Há uma expectativa de crescimento na indústria ao redor de 4,5% no RS no ano que vem. O setor de serviços deve crescer um pouco menos, na ordem de 2,5%, o que já é um crescimento importante, embora insuficiente para recuperar as perdas de 2020 – a principal razão é que este é um setor muito dependente de emprego, renda, massa salarial e acesso ao crédito, aspectos em torno dos quais ainda se tem muitas dúvidas devido ao fim do auxílio emergencial e até mesmo por causa do endividamento das famílias, que aumentou no período de crise. Para o agronegócio, estimamos um crescimento na ordem de 19%, mas, obviamente, esse é um setor que depende de clima. Temos olhado os prognósticos e as expectativas já estão um pouco melhores do que estavam há um mês com relação às chuvas. Vamos torcer para que chova de forma mais ou menos homogênea em todo o Estado nos períodos adequados para que tenhamos uma boa safra. Nesse caso, podemos até nos surpreender com números melhores na agropecuária, mas esse crescimento de 19%, em conjunto com 4,5% da indústria e 2,5% dos serviços, vai permitir um crescimento de 4,9% em nível regional, superando os 3,8% projetados em nível nacional.

Olhando pelo mesmo viés, o que se projeta na economia mundial que nos impactará diretamente?

Lá fora, tal como aqui, o primeiro pressuposto é a questão das vacinas; é resolver a questão da pandemia, ou pelo menos equacioná-la ao ponto de que as atividades econômicas continuem funcionando normalmente e que não tenhamos mais os problemas de saúde afetando as pessoas. O segundo aspecto muito importante diz respeito a como será a reação ao governo Biden, o que hoje é uma grande incógnita internacional. Existem muitos questionamentos em diversos aspectos, como por exemplo no relacionamento com a China e com o Oriente Médio. Quando olhamos para o Brasil, questionamos como ele vai observar o nosso agronegócio – lembrando que os Estados Unidos competem conosco, apesar de serem parceiros em muitos aspectos. Então, temos que aguardar os encaminhamentos das políticas de fora, temos que ver como as decisões serão tomadas. É um aspecto que, no radar internacional, chama a atenção de todas as economias. De nossa parte, estamos otimistas de que o Biden não fará nenhuma mudança significativa que prejudique a expectativa de retomada do crescimento mundial, hoje na ordem de mais de 5%, permitindo, inclusive, que a própria economia americana responda muito bem em termos de crescimento. Muito possivelmente vamos continuar a ver a guerra comercial com a China na agenda, mas talvez com outra forma de negociação. Muitas pessoas acreditam que essa guerra começou com o Trump, que sempre foi mais extremista e deixou este tema mais explícito, mas a discussão entre China e Estados Unidos já vem de muito tempo. O próprio governo Obama, democrata, teve muitas rodadas de negociação com a China. Tenho a visão de que China e Estados Unidos são duas economias muito pragmáticas, apesar das diferenças em termos de formação política. Ambos verão o que é importante para os seus povos e suas economias locais e buscarão acordos nesse sentido. Existem, ainda, outros aspectos no radar internacional, tais como o Brexit, que ainda não está com as regras bastante definidas. Há sempre uma preocupação com o Oriente Médio, com o geopolítico de lá. Torcemos pelo avanço de alguns acordos que vinham sendo coordenados pelo governo Trump naquela região. Também coloco como um dos pressupostos para o bom funcionamento da economia internacional – e para o consequente reflexo positivo no Brasil – a renovação dos pacotes fiscais das grandes economias, em particular a dos Estados Unidos. O próprio Biden prometeu isso na campanha. Colocamos como pressuposto que esse pacote venha a ser aprovados nos Estados Unidos e em outras economias importantes do mundo para que sigamos vivendo um período de estímulos fiscais e monetários em nível global. Para fechar essa questão, eu destacaria o crescimento da economia internacional, sem nenhum tipo de grande volatilidade causada pela eleição do Biden, com os estímulos fiscais e monetários funcionando, com taxas de juros internacionais muito baixas e com uma grande liquidez. Tudo isso pode ser muito favorável ao Brasil, sobretudo se o País fizer o seu tema de casa.

Com a pandemia, empresas, sejam de pequeno, médio ou grande porte, precisaram tentar se adequar ao chamado “novo normal”. Voltaremos ao “velho normal”? E, pelo que o senhor tem observado, quais foram os principais acertos dos empreendedores que estão conseguindo de adaptar e quais os erros que muitos vêm cometendo, o que vem ocasionando fechamentos de portas e demissão de pessoal?

Depende muito do que se chama de “velho normal”. Eu diria que a volta das pessoas ao trabalho presencial vai acontecer. Teremos exceções, como tínhamos antes em um ou outro setor que já contava com uma maior facilidade de atuar à distância. Não considero o uso das tecnologias como um “novo normal”, porque isso já acontecia antes da pandemia. O que vai mudar bastante, e já está mudando, é a frequência com que as empresas e pessoas utilizarão essas tecnologias. Inclusive muitas ferramentas já estavam disponíveis, só não eram utilizadas. Durante a pandemia, todos fomos obrigados a testá-las, e vimos que, em muitos aspectos, elas são positivas. Por exemplo: volta e meia eu viajava para São Paulo para participar de uma reunião de uma hora que, percebemos com a pandemia, pode tranquilamente ser feita por vídeo, com total atenção de todos os participantes. Reforço: o uso de canais eletrônicos para o comércio, o uso de novas tecnologias para a área de saúde e medicina e para área de atendimento à distância, entre outras áreas, já existia antes da pandemia, mas talvez a sua utilização mais frequente estivesse sendo protelada por diversas razões. Uma delas é a própria cultura das empresas; outra é a atuação de entidades e sindicatos de classe que evitavam alguns avanços, e assim por diante. O que eu apostaria é que o empreendedor, que é quem está respondendo melhor a este cenário, vai tentar utilizar ao máximo essas tecnologias daqui para frente, até porque ele percebeu que a rápida adaptação é positiva para o seu negócio. Aliás, a capacidade de se adaptar será muito importante daqui em diante, essa é uma das principais lições da pandemia.

Nunca a tecnologia foi tão importante no mundo dos negócios. Quais as dicas aos empreendedores que ainda não investiram nesta área? É possível apostar em inovação mesmo em uma crise em que os recursos estão escassos?

Sim, é como eu falava na pergunta anterior. Inovação não é, necessariamente, só computador. E tecnologia também não é só computador. Tecnologia é inovar, usar novas formas, novos processos, ver e tratar as coisas de uma forma diferente. Isso é muito importante, e talvez sempre tenha sido, embora esse assunto esteja mais na pauta, hoje, porque tivemos que nos adaptar rapidamente devido à pandemia. Então, respondendo à pergunta, ao empreendedor e às pessoas que ainda não enxergam a tecnologia ou a inovação como algo relevante, afirmo que é essencial que elas percebam que o mindset cultural das empresas precisa ser mudado. Você pode dispor de todas as tecnologias, de todos os sistemas. Se o mindset cultural da companhia não for um mindset de inovação, de flexibilidade e de adaptação às mudanças, muito provavelmente ela terá dificuldades daqui para frente, por mais que disponha de todo o dinheiro do mundo. Essa seria a grande dica: trabalhar com os colaboradores em busca de uma cultura na qual as pessoas questionem de forma propositiva aquilo que é feito. Uma cultura em que se busque constantemente a inovação não apenas em relação às ferramentas tecnológicas, mas no que tange a processos e fluxos. É criar um ambiente propício à adaptação rápida, com flexibilidade e disponibilidade para ser revisitado e reinventado. Esse mindset deve estar impregnado nas empresas.

E quanto aos clientes? Estão todos cansados e precisando de um ‘respiro’ a tantas notícias ruins e restrições ao longo do ano. Mas é aconselhável que se gaste em compras de Natal ou ceias fartas de Ano Novo, como se fazia antigamente, ou se faça viagens mais caras – como uma ‘desforra’ pelo ano ruim? Como articular de forma consciente o planejamento financeiro em casa em uma pandemia que, aliás, não terminou?

As pessoas devem sempre tentar ter algum cuidado com as suas finanças, procurando, dentro do possível, não se endividar com gastos não essenciais. Se tem um aprendizado que fica de toda essa crise é: as pessoas – e as empresas – precisam ter algum recurso poupado, porque ele pode fazer toda a diferença quando acontece algo totalmente fora do esperado como foi essa pandemia. Uma das lições mais importantes é não fazer grandes aventuras porque aprendemos, no Brasil, que as crises se repetem de forma sistemática.

Quais as principais lições da pandemia? O senhor é otimista?

Sim. Sou otimista. Enquanto empresário, penso que uma das lições dessa pandemia é que as pessoas que tomam decisões têm que estar abertas a ouvir de forma verdadeira, sem preconceitos. Quanto mais pessoas estiverem colocando insumos na tomada de decisão, mais essa decisão fica embasada e traz resultados. Outro aprendizado é que precisamos desenvolver a visão de que as coisas precisam ser resolvidas. Dizer “não tem solução, sinto muito, pessoal, vamos pedir para o governo federal nos dar dinheiro” é complicado; se nós vivermos outra crise como essa, eu não sei de onde é que virá o dinheiro. Talvez ele até venha, mas aí a consequência para a próxima década será desastrosa, e isso é algo que já vivemos em nosso País. Também considero importante, como aprendizado, a necessidade de as empresas e as pessoas serem flexíveis às mudanças. As coisas vão mudar e vão mudar muito ao longo do tempo, e cada vez mais rápido. Por isso, é importante que estejamos aptos a nos ajustar rapidamente. Essa flexibilidade em relação à mudança e o entendimento de que ela pode ser positiva é algo que precisa fazer parte da nossa forma de pensar.


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