Do descompasso à melodia

Do descompasso à melodia

Alina Souza

Idoso no Centro Histórico de Porto Alegre.

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A realidade oscila. Há dias ensolarados, há outros carregados de névoa úmida. Há instantes de prosperidade, há outros de espera e monotonia. O centro da capital acorda frequentemente lotado, mas às vezes nem acorda, e o vazio se esgueira à sombra dos prédios; a solidão fustiga as esquinas. Nesse ritmo de notas graves e agudas, o homem com cabelos brancos transforma o descompasso em melodia. Ele está sempre em algum ponto do meu caminho, concentrado em quebrar o silêncio da dor com o som da resistência da vida. Em meio aos atos desafinados e imprevisíveis da metrópole, ele não desiste de tocar o simplório instrumento musical e olhar a todos com a mesma inquietação que olha a si e a suas mãos com linhas desenhadas pelos anos, ele inteiro composto pelas partituras do tempo. O homem à minha frente reinventa a cadência, contraria o sentido de velocidade, vence a idade e os ruídos invasivos da indiferença. Toca à espera de um toque, ou algo que provoque ressonância na multidão esquecida da poesia, multidão esta mergulhada em tantos outros esquecimentos.


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