Eu não torci para o Flamengo

Eu não torci para o Flamengo

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Carlos Corrêa / Interino

Eu imagino que não é o tipo de declaração que pegue bem, mas pior do que fazer média neste caso é mentir e aqui não vou fazer isso. A verdade é que no sábado, quando me sentei em frente à televisão para assistir à decisão do Mundial de Clubes, eu não estava torcendo para o Flamengo. Tudo bem que não estava secando, mas simplesmente vendo o jogo de sangue doce. Como eram duas equipes com vocação ofensiva, o programa por si só prometia ser satisfatório – e de fato foi, ainda que em uma proporção menor do que se supunha, mas a história nos mostra que finais de campeonato geralmente são jogos menos soltos. 

Tudo bem, é sempre agradável a ideia de um sul-americano, ainda mais um brasileiro, vergando um adversário europeu, mas o meu lado implicante falou mais alto. Alguém vai dizer que tem a ver com o meu signo ou por ser filho único, mas eu não acredito em signos e, bem, sou filho único mesmo. Justamente por trabalhar com jornalismo esportivo há tanto tempo, sei que era mais do que esperado que o Flamengo ganhasse todo o espaço que vem ganhando. O time de 2019 de fato é uma máquina, conquistou a Libertadores num sábado e o Brasileirão no dia seguinte de dentro do ônibus, algo que nunca havia acontecido e arrisco dizer nunca mais vai acontecer. Fora isso, é o clube com a maior torcida do Brasil, que também calha de ser uma das mais divertidas do país.
Enfim, por tudo isso, eu sei que o Flamengo dá audiência e rende cliques, portanto era mais do que esperada toda a mídia em torno dele. Eu deveria estar vacinado, mas não estava. E olha que eu acredito em vacinas. Aliás, acredito em vacinas e na Terra redonda, mas isso é outra história. Fosse um filme da saga Star Wars e diria que cedi ao Ladro Negro da Força. E quem teve menos influência foi o próprio Flamengo ou a sua torcida. Longe disso. Mas eu não aguentava mais ligar a TV, ligar o rádio, acessar o site que fosse e me deparar com análises de como o Flamengo era o melhor time brasileiro de todos os tempos. Um programa na TV a cabo chegou a lançar uma enquete perguntando se Neymar pioraria o Flamengo. Calma, gente.
Fora que eu nunca engoli o papo de que “o Brasil estava torcendo pelo Flamengo”. Não. O Flamengo estava torcendo pelo Flamengo, muitos estavam secando e outros muitos estavam, como eu, assistindo de sangue doce. Eu consigo admirar, e por que não, curtir esse time do Flamengo jogando. Pessoalmente, não lembro de um time no Brasil ser tão empolgante desde o Palmeiras da Parmalat, lá nos anos 1990. Mas admirar é admirar e torcer é torcer. Então, eu só pensava o seguinte antes de a bola rolar: “se a coisa está nesse nível com o Flamengo na final, imagina se for campeão”. Só que eu achei que a febre iria passar em caso de derrota. Ledo engano.
O Flamengo jogou bem. Conseguiu fazer frente ao Liverpool durante praticamente o tempo todo. Poderia ter ganho, assim como poderia ter sofrido o gol muito antes. É do jogo. Acho que teve uma postura admirável em campo. Só que aí eu fui ver a repercussão. E a ideia que se quer vender é basicamente a de que, nossa, nunca um time brasileiro teve uma postura tão digna no Mundial de Clubes. Nas entrelinhas, a mensagem é de que a derrota do Flamengo, sendo da maneira que foi, carrega em si mais mérito do que jamais outro representante do país fizera. E aí opa, pera lá. De 2000 para cá, São Paulo, Inter e Corinthians foram ao Mundial e voltaram com a taça. “Jogaram de forma defensiva”. Até onde sei, adotar uma postura ofensiva ou defensiva tem mais a ver com estratégia do que com covardia. O Grêmio de 2017 foi menos digno do que esse Flamengo? Não. Sim, chutou uma bola a gol e foi dominado pelo Real Madrid. Mas queriam que Renato fizesse o que? Fosse pra cima? Estaria até agora tomando gol. Aquele Grêmio de 1995, por exemplo, também encarou o Ajax de igual para igual. Aliás, só caiu nos pênaltis. É menos digno? Nem de longe.
De mais a mais, o torcedor quer sempre ganhar. Se for jogando bem, um tanto melhor. Senão, seja como for. Pergunte para o torcedor colorado se ele quer trocar o Mundial de 2006 por uma derrota tendo jogado “de igual para igual” com o Barcelona. Pergunte para o gremista se ele não trocaria tudo por um gol de chiripa contra o estrelado Real em 2017. Ele quer a faixa no peito.
Cabeça erguida na derrota é bom. Taça no armário, no entanto, é melhor ainda.


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