Inter anula julgamento do TJD

Inter anula julgamento do TJD

Tribunal Pleno do Superior Tribunal de Justiça Desportiva divulgou acórdão

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Com título decidido nos pênaltis, o Grêmio conquistou o 38º título estadual de 2019 no dia 17 de abril.
Mas o Gauchão não terminou ali.
Voltou, desta vez, nos tribunais. 
Em julgamento em maio, o Tribunal de Justiça Desportiva do Rio Grande do Sul (TJD-RS) analisou acontecimentos do clássico.
Expulsos do jogo, D’Alessandro e Odair Hellmann foram punidos. 
D'Alessandro com dois jogos de suspensão na disputa do campeonato de 2020. 
Odair com um.
Renato Gaúcho, que invadiu o gramado para comemorar a defesa de Paulo Victor e foi expulso pelo árbitro, acabou  apenas advertido.
Por entender que o auditor, Márcio Floriano, deveria ter se declarado impedido de julgar o caso por ser secretário do Conselho Deliberativo do Grêmio, o Inter entrou com recurso no STJD.
Recentemente o Tribunal Pleno do Superior Tribunal de Justiça Desportiva divulgou acórdão.
Trecho: 
"Com essas considerações, dou provimento ao recurso do S.C. Internacional para, reconhecendo a incompatibilidade do Exmo. Dr. Márcio Floriano Júnior, anular o feito desde o julgamento perante a Comissão Disciplinar do E. TJD/RS, determinando que outro se realize, evidentemente, sem a participação do aludido julgador, o mesmo se aplicando acaso haja recurso ao Tribunal Pleno do TJD/RS, oportunidade em que estarão impedidos os Exmos. Drs. Marcelo de Cabral Azambuja e Gabriel de Pauli Fadel."

NA ÍNTEGRA

TRIBUNAL PLENO DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA DESPORTIVA DO FUTEBOL 
 
Processo nº 178/2019 – Recurso Voluntário 
 
RECORRENTE: S. C. INTERNACIONAL RECORRIDA: PROCURADORIA DA JUSTIÇA DESPORTIVA DO TJD/RS 
 
RELATOR: ANTÔNIO VANDERLER DE LIMA   
 
AUDITOR – CONSELHEIRO DE AGREMIAÇÃO – CÓDIGO DE ÉTICA DO CLUBE - SITUAÇÃO SUI GENERIS – IMPARCIALIDADE PRESUMIDA – NULIDADE DO JULGAMENTO  
 
VISTOS, relatados e discutidos o Processo nº 178/2019, em que figura como Recorrente o S.C. Internacional e, como Recorrida, a Procuradoria do TJD/RS, ACORDAM os Auditores que compõem o Pleno do STJD do Futebol, por maioria de votos, em acolher a preliminar de impedimento do Auditor Dr. Mário Floriano Junior, do TJD/RS, divergindo o Auditor Dr. João Bosco que a rejeitava, declarando a nulidade do julgamento, devendo os autos serem remetidos ao TJD/RS para que julgue novamente o processo. 
 

ACÓRDÃO 
 
RELATÓRIO 
 
Trata-se de recurso contra v. acórdão da lavra do E. TJD/RS, o qual, por sua vez, rejeitava preliminares de impedimento e suspeição de Auditores que julgaram o caso em primeiro grau de jurisdição, e, quanto mérito, por maioria, matinha a decisão condenatória imposta pela Comissão Disciplinar. 
 
Inconformado, o Recorrente insiste que o ilustre Auditor da Comissão Disciplinar, Exmo. Dr. Márcio Floriano Júnior, porque Conselheiro e Secretário do Conselho Deliberativo do Grêmio Foot-Ball Porto Alegrense, não poderia ter participado do julgamento na origem, pois além de “trabalhar” para aquela agremiação, também denunciada na hipótese, estaria obrigado, pelo seu Código de Ética, a nunca atuar em prejuízo de seu clube. 
 
Com igual fundamento, o Recorrente invoca também neste apelo, o impedimento de dois insignes Auditores do Tribunal Pleno do TJD/RS, Exmos. Drs. Marcelo de Cabral Azambuja e Gabriel de Pauli Fadel, que teriam participado julgamento do apelo do S.C. Internacional contra a decisão condenatória de primeiro grau. 
 
Também nesta nova irresignação, o S.C. Internacional reitera a alegada suspeição do eminente Auditor da Comissão Disciplinar, Exmo. Dr. Marcelo Liz Maineri, porque seria um notório “anti-colorado”, tendo usado as redes sociais para zombar do Recorrente. 
 
Quanto ao mérito, insiste que o julgamento não condiz com a prova dos autos, indo além da súmula, razão pela qual seria mais correta a absolvição do atleta e do treinador, ou, ao menos, a conversão das penas de suspensão em advertência.  

A douta Procuradoria deste STJD opinou pelo conhecimento do recurso, rejeição das preliminares e parcial provimento, para converter em advertência apenas a sanção imposta ao atleta, mantendo a condenação do treinador. 
 
Em 18 de julho de 2019 teve início o julgamento do apelo, oportunidade em que este eminente Relator, e os ilustres Auditores Drs. Décio Neuhaus, Mauro Marcelo de Lima e Silva e Arlete Mesquita acolhiam a preliminar de impedimento do Auditor Dr. Mário Floriano Junior, divergindo o Auditor Dr. João Bosco que a rejeitava. O julgamento entretanto, não se findou, por conta de pedido de vista formulado pelo eminente Auditor Presidente deste STJD. 
 
Na sessão do dia 31 de julho de 2019 foi retomado o julgamento. 
 
É o relatório, no essencial. 
 
Inicialmente, cabe ponderar que “a iniciativa de afastamento do Juiz [...] não lhe põe um pecha” e deve ter em mente que “em jogo está o valor maior da imparcialidade da Justiça, que não pode, de modo algum, ser sequer arranhado” (FORNACIARI JÚNIOR, Clito. Da Necessária Releitura do Fenômeno da Suspeição. RT 766/66-67, ago. 1999). 
 
Soma-se a tanto o alerta de que “os institutos processuais de que vamos tratar não têm somente a finalidade de prevenir decisões judiciais injustas, senão também a de evitar situações embaraçosas para o juiz e de manter a confiança do povo na administração da justiça, eliminando causas que poderiam dar lugar a críticas ou malignidades” (NORONHA, E. Magalhães. Curso de Direito Processual Penal – 28 ed. Atual. por Adalberto José Q. T. de Camargo Aranha. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 78).  

Vale lembrar que a imparcialidade é a essência da jurisdição, pois, nos ensinamentos de ZAFFARONI, “a jurisdição não existe se não for imparcial” (in Poder Judiciário: Crises acertos e desacertos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, p. 86). É que as garantias constitucionais de que um cidadão só pode ser processado e sentenciado pelo juiz competente (art. 5.º, LIII, CF) e de que não haverá juízo ou tribunal de exceção (art. 5.º, XXXVII, CF) são emanações da exigência básica de imparcialidade do juiz 
 
Esclareça-se, outrossim, que a imparcialidade tem dois aspectos: um subjetivo (relacionado com as partes), outro objetivo (afeto ao objeto do processo). Na categoria de parcialidade subjetiva, acomodam-se todas as situações que tenham causas numa relação do juiz com as partes, como parentesco, amizade ou inimizade, etc. A parcialidade objetiva, por sua vez, é fundante no objeto do processo, ou seja, “refere-se ao juiz, em razão de considerações de caráter orgânico ou funcional, não apresentar (nem dar sinais de) (pré)juizos ou (pré)conceitos em relação ao caso penal que irá julgar” (CASARA, Rubens R.R. Mitologia Processual Penal. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 147). 
 
Pois bem. No caso em tela, tem-se a arguição de impedimento de três eminentes Auditores do E. TJD/RS (um da CD e outros dois do Pleno), os quais, como admitiram, seriam Conselheiros do Grêmio Foot-Ball Porto Alegrense, entidade cujo Código de Ética expressamente veda “atuar ou representar, de qualquer forma, em prejuízo aos interesses do GRÊMIO” (art. 15). 
 
Não se desconhece que, consoante o art. 18, I do CBJD, somente há impedimento quando o auditor “for credor, devedor, avalista, fiador, patrono, sócio, acionista, empregador ou empregado, direta ou indiretamente, de qualquer das partes”, o que não se vislumbra na hipótese, já que secretariar o conselho deliberativo não significa ser empregado do clube, embora o Exmo. Dr. Márcio Floriano Júnior tenha se valido (coloquialmente, parece) do verbo “trabalhar” em suas redes sociais.  

Também não se desconhece a expressa ressalva constante do §5º do mencionado art. 18 do CBJD, segundo o qual “o impedimento a que se refere este artigo não se aplica na hipótese de o auditor ser associado ou conselheiro de entidade de prática desportiva”. 
 
O problema está na norma constante do código de ética da agremiação que os eminentes Auditores voluntariamente juraram obedecer, e no qual se encontram comandos bem abertos. 
 
Com efeito, a intrincada questão não é ser conselheiro ou ser torcedor, embora seja de todo recomendável que os membros da Justiça Desportiva evitem expor suas preferências nas redes sociais, e, principalmente, zombar de agremiações adversárias. Trata-se de postura que não coaduna com a liturgia do cargo que, graciosa e livremente, estão a exercer. 
 
O problema encontra-se justamente na vedação à atuação, “de qualquer forma, em prejuízo aos interesses do GRÊMIO”. Com a devida venia, a amplitude do comando permite a presunção de que, ao julgar sua agremiação, o Auditor/Conselheiro está normativamente e moralmente compelido a não prejudicar o clube, de qualquer forma e em hipótese nenhuma. Do contrário, estaria ele Auditor/Conselheiro premeditadamente, ainda que contando com eventual inércia disciplinar do clube, descumprindo seu Código de Ética. 
 
Assim, diante dessa situação sui generis, é que outra solução não resta do que a acolher a preliminar invocada pelo Recorrente, pois a antinomia entre as normas que regem a conduta do Auditor/Conselheiro levam à sua incompatibilidade para julgamentos que envolvam o Grêmio Foot-Ball Porto Alegrense.  

Enfim, diante da vedação para prejudicar seu clube, o Exmo. Dr. Márcio Floriano Júnior “torna-se incompatível com o processo, no qual funciona, baseado no princípio da imparcialidade e igualdade de tratamento, que deve ser o devido processo legal, mecanismo seguro de distribuição de justiça às partes” (NUCCI. Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. 10ª. Ed. São Paulo. Editora Revista dos Tribunais. 2011, p. 311). 
 
A mesma solução aplicar-se-ia aos dois insignes Auditores do Tribunal Pleno do TJD/RS, Exmos. Drs. Marcelo de Cabral Azambuja e Gabriel de Pauli Fadel, o que, no entanto, não será apreciado na hipótese, pois o reconhecimento da incompatibilidade do Exmo. Dr. Márcio Floriano Júnior maculou o feito desde o primeiro grau de jurisdição, exigindo novo julgamento naquela instância. 
 
DISPOSITIVO 
 
Com essas considerações, dou provimento ao recurso do S.C. Internacional para, reconhecendo a incompatibilidade do Exmo. Dr. Márcio Floriano Júnior, anular o feito desde o julgamento perante a Comissão Disciplinar do E. TJD/RS, determinando que outro se realize, evidentemente, sem a participação do aludido julgador, o mesmo se aplicando acaso haja recurso ao Tribunal Pleno do TJD/RS, oportunidade em que estarão impedidos os Exmos. Drs. Marcelo de Cabral Azambuja e Gabriel de Pauli Fadel. 
 
Rio de Janeiro, 12 de setembro de 2019. 
 
ANTONIO VANDERLER DE LIMA Auditor do Pleno do STJD do Futebol 


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