O Adicional Noturno e o Atleta de Futebol

O Adicional Noturno e o Atleta de Futebol

Litígios similares permanecerão sendo numerosos nos tribunais trabalhistas, assombrando os clubes brasileiros...

publicidade

Por Rafael Silveira Paim*

Com a interrupção mundial, há cerca de dois meses, de praticamente todas as modalidades esportivas devido à pandemia do Novo Coronavírus, em especial dos campeonatos de futebol, os aficionados pela categoria, bem como os jornalistas esportivos, estão ávidos por notícias e debates polêmicos.

Tanto é que a recente decisão do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo, nos autos da reclamatória trabalhista promovida pelo atleta Maicon em face de sua ex-agremiação, São Paulo Futebol Clube, tomou os holofotes dos noticiários desportivos. Tal fato, além de trazer à tona outras demandas trabalhistas com pleitos idênticos, promovidas pelos atletas Léo Moura (contra o Flamengo) e Paulo André (contra o Corinthians), também despertou a curiosidade quanto a um tema controvertido: o atleta de futebol faz jus ao adicional noturno?

Na busca de clarear a controvérsia, cumpre-nos analisar, primeiramente, o previsto na Constituição Federal, balizadora do direito nacional. A Carta Magna prevê que a remuneração do trabalho noturno deverá ser superior ao trabalho diurno, cumprindo às normas ditas infraconstitucionais regulamentarem o tema. A CLT, na condição de norma infraconstitucional, estabelece que o horário noturno, para os trabalhadores urbanos, é computado das 22h às 5h do dia seguinte.

A CLT ainda determina que, diferentemente da hora ordinária (60 minutos), a hora noturna é computada com 52 minutos e 30 segundos, conhecida como hora ficta. Além disso, o adicional noturno em si é o acréscimo de 20% no valor da hora noturna que o trabalhador faz jus.

Tal instituto foi criado para desincentivar o empregador a explorar a atividade notívaga, visto que é o período em que o organismo humano se destina à desaceleração biológica. Ao mesmo tempo, o acréscimo no valor remuneratório e a diminuição do período de cômputo da hora servem para recompensar o profissional que exerce as atividades em período noturno, em detrimento daquele que labora no período diurno.

Por sua vez, a lei 9.615/98, denominada de Lei Pelé, foi instituída para estabelecer normas gerais sobre os esportes. Uma de suas responsabilidades foi cobrir de especificidade a profissão do atleta de futebol. Nela, o legislador previu que a remuneração do atleta será pactuada em contrato especial de trabalho, o que leva, de fato, a classificar a atividade com a especificidade necessária a não aplicação da CLT, diferenciando os atletas dos trabalhadores comuns. Contudo, diferentemente das demais categorias que possuem legislação específica, a Lei Pelé silenciou quanto ao adicional noturno, não existindo qualquer previsão sobre o instituto.

A questão em debate já é, há muito, levada aos tribunais trabalhistas. Contudo, a matéria não está pacificada no judiciário. Há julgadores que entendem que, pelo fato de inexistir lei específica tratando do trabalho noturno e do respectivo adicional para o atleta de futebol, a CLT seria a norma a ser aplicada e observada, razão pela qual faria jus ao adicional em questão.

Por outro lado – e de forma majoritária na jurisprudência pátria -, há magistrados que entendem que, diante da existência de lei especifica regulamentando a atividade do atleta profissional de futebol e pelas peculiaridades da profissão, até mesmo em razão do espetáculo e todos os demais atrativos publicitários e comerciais envolvidos nos jogos televisionados em horário nobre da televisão brasileira, este trabalhador não estaria sujeito às normas celetistas, ainda que existam lacunas na Lei Pelé.

A reflexão é ampla e existem argumentos ricos e pertinentes para ambos os lados. Ainda que a ingerência acerca do horário de início e término das partidas de futebol não seja dos clubes – visto que compete às federações regionais e à confederação brasileira, na maioria das vezes atendendo às exigências das emissoras de TV possuidoras dos direitos de transmissão dos eventos e dos patrocinadores -, parece ser injusto que os atletas profissionais de futebol tenham suprimido seu direito constitucional, regulamentado pela CLT. Ademais, a norma específica - Lei Pelé – é omissa a respeito do trabalho realizado em horário noturno e seu respectivo adicional, razão pela qual tal lacuna, em princípio, deve ser preenchida pela legislação celetista, ainda que de forma subsidiária ou complementar. Se a norma específica – Lei Pelé – não faz a distinção neste particular, é porque o legislador optou pela aplicação da lei geral aplicável a todo e qualquer trabalhador – CLT.

Litígios similares permanecerão sendo numerosos nos tribunais trabalhistas, assombrando os clubes brasileiros. Enquanto a questão não for pacificada pelo Tribunal Superior do Trabalho – TST -, de forma a vincular os demais tribunais regionais ao seu entendimento, ou for formalizado convenção/acordo coletivo entre os sindicatos patronal e laboral acerca da incidência ou não do instituto em questão, permanecerão nos departamentos dos clubes de futebol a insegurança jurídica e o cultivo de um potencial e expressivo passivo trabalhista.

*Advogado especialista em Direito do Trabalho
Sócio do escritório Magalhães, Zurita e Paim Advogados
Auditor do Tribunal de Justiça Desportiva do Rio Grande do Sul


Mais Lidas





Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895