Tenho que falar sobre Pelé

Tenho que falar sobre Pelé

Nos gabinetes, consultórios, botecos, gabinetes, só se fala no Rei

Hiltor Mombach

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Tenho que falar sobre Pelé. Tenho, como uma obrigação. O Rei é o assunto quando completa 80 anos. Nos gabinetes, consultórios, botecos, gabinetes, só se fala em Pelé.
 Eis que surge a questão: o que dizer sobre Pelé que ainda não tenha sido dito? Trata-se de um atrevimento, portanto, de uma petulância, falar sobre o Rei. Escrever sobre Pelé surge como uma insolência para um mortal que sequer viu o Rei em carne e osso. Perdão, vi sim. Num jogo no Beira-Rio. Também lembro do primeiro jogo em cores na TV. Foi na Copa de 70. Lá estava Pelé.

 Sobre Pelé ouvi insanidades, disparates. "Será que Pelé seria Pelé no futebol atual?" Pelé seria maior do que Pelé, se isto fosse possível, desfilando sua categoria em gramados que são tapetes, com bolas perfeitas e com seus caçadores sendo vigiados pelo VAR. Disse e repito: o que dizer sobre Pelé que ainda não foi dito? Com a humildade que o momento merece deixarei que escrevam por mim. Reproduzo aqui trecho de um texto de outro rei, o rei das crônicas, o admirável Nelson Rodrigues.

"Olhem Pelé, examinem suas fotografias e caiam das nuvens. É, de fato, um menino, um garoto. Se quisesse entrar num filme de Brigitte Bardot, seria barrado, seria enxotado. Mas reparem: — é um gênio indubitável. Digo e repito: — gênio. Pelé podia virar-se para Miguel Ângelo, Homero ou Dante e cumprimentá-los, com íntima efusão: — “Como vai, colega?”

De fato, assim como Miguel Ângelo é o Pelé da pintura, da escultura, Pelé é o Miguel Ângelo da bola. Um e outro podem achar graça de nós, medíocres, que não somos gênios de coisa nenhuma, nem de cuspe a distância. E que coisa confortável para nós, brasileiros, saber que temos um patrício assim genial e assim garoto! Vejam: — dezessete anos! 

Na idade em que o pobre ser humano anda quebrando vidraça, ou jogando bola de gude, ou raspando perna de passarinho a canivete, Pelé torna-se campeão do mundo. Estava lá um rei, Gustavo, da Suécia. E viu-se, então, essa coisa que estaria a exigir um verso de Camões: — o rei desceu do seu trono e foi cumprimentar, foi apertar a mão do menino Pelé. Então, pergunto: — que experiência real teria o menino de cor? Havia de conhecer, no máximo, rei de baralho ou o Rei Patusco do gibi. Gustavo foi o primeiro rei autêntico que lhe mostrou os dentes num soberano sorriso.”


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