A educação na mira

A educação na mira

Governo libera armas e atira na Educação

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Kant era iluminista. Ele ordenou: ousa saber. Jair Bolsonaro é mais ousado. Ele ordena: acabem com a educação. E libera armas para que o povo se eduque por contra própria.

Imaginava-se que o seu governo investiria contra o crime.

O alvo são as universidades públicas. No delírio do bolsonarismo triunfante, universidades, especialmente nas ciências humanas, servem para produzir comunistas ensandecidos. Estimulado pelo seu guru astrólogo, que não tem diploma, mas se considera doutor em tudo, o presidente, por meio do seu novo ministro da Educação, um ex-agente do mercado financeiro, resolveu podar o orçamento das universidades públicas em pelo menos 30%. O critério inicial era inovador: balbúrdia.

      O bolsonarismo imagina que universidades são espaços homogêneos nos quais todos pensam da mesma maneira. Seria aconselhável uma visita a um campus universitário. O que os visitantes descobririam? Que é mais fácil encontrar petróleo jorrando do que dois universitários com o mesmo pensamento. Jair Bolsonaro quer acabar com a filosofia e a sociologia. As grandes universidades do mundo mantêm departamentos de ciências humanas. A filosofia tem mais de dois mil anos de bons serviços prestados a um mesmo objetivo: ensinar a pensar. Ou seja, a analisar e criticar. Será esse o grande problema? Quem aprende a pensar, critica o poder e os poderosos.

      No delírio em que se perderam, os bolsonaristas enxergam comunistas por todos os lados nas universidades. Guris barbudos e meninas não depiladas carregando livros do marxista italiano Antonio Gramsci e do brasileiro Paulo Freire. Não haveria problema se os livros fossem de Olavo de Carvalho e Roberto Campos. O bolsonarismo é a favor da doutrinação, desde que seja a sua. A Folha de S. Paulo publicou um interessante dado empírico: “Dos 1.283.431 alunos de graduação das federais, 25.904 estão em cursos de filosofia ou sociologia — 2% do total. Os dados são do Censo da Educação Superior de 2017”. Para o bolsonarismo ainda é muito. Chama a atenção a ignorância dos bolsonaristas sobre a realidade universitária.

      Em parte, a reação bolsonarista ao mundo universitário tem a ver com a luta entre iluminismo e obscurantismo. Este, na sua forma “ignorancialista”, encarna o ressentimento do homem branco heterossexual contra as desconstruções feitas pelas ciências humanas da sua dominação. As críticas ao machismo, ao racismo e à homofobia desmontaram narrativas multisseculares hegemônicas. Isso pouco tem a ver com comunismo. É, ao contrário, o ponto culminante de uma visão pluralista e liberal, no sentido que se pode dar a esse termo quando se pensa em John Stuart Mill, de mundo. O ódio ao politicamente correto, que não é isento de excessos, revela a nostalgia de uma época em que o macho branco reinava absoluto.

      A educação no Brasil corre perigo. Por trás do slogan simplório – ensinar a ler, escrever, calcular e arranjar um emprego – esconde-se uma proposta belicista: calar o que pensa diferente. O autoritarismo sempre sonha com um ensino técnico destituído de ideias. É a sua maior ideologia.

Educação é o que falta no governo. Bolsonaro confunde ídolo com fã. O ministro da educação citou o escritor Kafta. Deve ter lido também Balzat e Flauberk.

 


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