A hipótese do volante de criação
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Comecei em jornalismo como repórter esportivo. Participo de programas de debates há 14 anos. Cada vez uso mais a minha própria linguagem. O russo Turgueniev, em “Pais e filhos”, romance que opõe antigos e modernos, ironizava os governantes modernos como moços, progressistas e déspotas. Hoje, seriam jovens, liberais conservadores e autoritários. Destacava também que o jovem tecnocrata moderno “empregava muito bem toda a terminologia correspondente ao caso”. A terminologia é fundamental. No futebol, chamo de neotáticos os jovens treinadores e comentaristas que defendem um novo paradigma. Não é uma ofensa. Pode ser uma constatação ou uma hipótese. O romântico adora o camisa dez criativo. O neotático admira um híbrido de utopia, que rotulo de volante de criação.
Futebol é metáfora da vida. O dez criativo, em extinção, é D’Alessandro, que os neotáticos detestam, embora neguem. Acham que ele atrasa o jogo. Há muitas maneiras de jogar futebol. Tem o jogador que corre com a bola e pode ser muito útil. Tem o que corre sem a bola a aparece no lugar certo para receber. Tem aquele que faz a bola correr. Os neotáticos idolatram o volante de criação, o jogador total, perfeito, completo, marca e ataca, defende e cria, desarma e passa bem, lança e dribla, destrói e constrói, fecha e abre espaços, toma, passa e aparece de surpresa na área para fazer gol, chuta bem de longe, cabeceia e arma. Nem Pelé foi tão completo. Muito menos Maradona, Messi e Cristiano Ronaldo.
Dizem que esse volante de criação existe. Muitos nomes são citados. Há sempre exceções para confirmar qualquer tese. Na média, o que se vê é muito bom baterista tocando medianamente guitarra. Uma coisa é a posição, que não se escolhe, descobre-se, e outra a função. Parece a vida. O futebol, como a vida, estraga as nossas melhores previsões todos os dias. O ultrapassado Felipão papou os neotáticos. Renato Portaluppi, o que nunca estudou futebol na Europa, tornou-se um dos mais cobiçados técnicos do país. Bolsonaro ganhou as eleições. Os neotáticos tendem a pensar que quem faz essas constatações prefere o antigo regime. Não necessariamente. Pode ser apenas uma forma de dizer “esses moços, pobres moços, ah, se eles soubessem o que eu sei...” Arrogância? Não. Velhice. Melhor: constatação do triunfo da pluralidade. Muitos são caminhos que levam a Roma e ao gol.
Joseph de Maistre dizia saber por Montesquieu que se podia ser até persa. Diógenes procurava um homem com sua lamparina. Eu procuro um volante de criação como o da lenda. Só acho marcadores e criadores. Assim.
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Jair Bolsonaro é um volante de contenção que decidiu ser ponta-direita ao estilo antigo.