A nova língua de Pierre Lévy

A nova língua de Pierre Lévy

Filósofo cria linguagem sem ambiguidades

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Tenho amigos bons de frase. Alguns inventam palavras. Eu criei o verbo “imundar”, com o qual abri meu romance “Fronteiras”. Pierre Lévy, meu velho parceiro de tantas jornadas, professor no Canadá. que está em Porto Alegre para um seminário na PUCRS e já visitou comigo até o acampamento farroupilha, criou uma língua. Não é força de expressão. A sua língua, que já tem gramática e dicionário, chama-se IEML. O objetivo é melhorar a comunicação entre seres humanos e computadores diminuindo as ambiguidades que levam a erros constantes.

A IEML tem um princípio ideográfico: dizer mais com menos. Um signo pode representar uma ideia complexa. A base é o alfabeto. Um exemplo: para dizer “vida”, usa-se a letra “f”. Existem palavras nas línguas naturais, como o português, polissêmicas, com muitos sentidos. Laranja pode ser fruta, cor ou, no Brasil, testa de ferro. Na IEML, laranja fruta tem um signo. Laranja cor, outro. E assim sucessivamente. Na prateleira, cada coisa tem a sua etiqueta. Os tradutores do Google, destaca Lévy, escolhem por estatística, pelo maior número de ocorrência, sem entender o que estão traduzindo.

Quando a “Língua Lévy”, como eu a chamo, estiver totalmente pronta será possível escrever um texto em qualquer língua natural e traduzir automaticamente em IEML. Na sequência, será possível verter do IEML para qualquer outra língua natural. Escrever em português, traduzir automaticamente para IEML e depois passa para inglês, francês, alemão. Adeus à hegemonia do inglês como língua da ciência. Especialistas, ou qualquer um que aprenda IEML, poderão escrever diretamente em “Lévy”. Leigos, que receberem textos em IEML, poderão traduzir automaticamente para qualquer língua natal e fazer a leitura. É uma língua pivô, intermediária, prática e universal.

Quando Pierre fala a primeira vez da IEML, aconteceu comigo, as pessoas arregalam os olhos, pensam que ele está louco, acham exótico, bocejam ou duvidam. A demonstração convence a maioria. Ele fez palestra no Programa de Pós-Graduação em Comunicação da PUCRS sobre IEML. Eu entrei dubitativo e saí convencido. Pierre Lévy tem sólidos conhecimentos de linguística e de tecnologia. Na construção da sua língua e da ferramenta que permitirá as traduções automáticas, tem trabalhado com engenheiros e linguistas. O projeto avança. Em breve, estará na plataforma GitHub para que possa continuar a ser desenvolvido coletivamente. Afinal, o homem sempre apostou na inteligência coletiva como projeto, ou seja, modo de usar a tecnologia para tornar a humanidade socialmente mais inteligente.

Minha primeira aula de IEML foi no Bom Fim. Não é todo dia que se tem a possibilidade de aprender um pouquinho de uma nova língua com o seu criador. Já posso dizer que sou amigo do inventor do novo esperanto. Um esperanto da era da internet. Como todo inventor de algo radicalmente novo e tradicionalmente sonhado, o grande desafio de Pierre é vencer a desconfiança. Eu mesmo fiz o curso de Umberto Eco no Colégio da França sobre a “procura de uma língua perfeita”. Muitas, ainda mais com a graça de Eco, eram surrealistas. A IEML, ao contrário, parece sensata, aplicável, realista e bastante útil.


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