A pejotização contra a era Vargas

A pejotização contra a era Vargas

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Pejotização liberada

 

            A era Vargas incomoda desde o seu começo. O jornalista e político Carlos Lacerda, príncipe dos golpistas e inspiração dos que tramam eternamente nos bastidores, tentou liquidá-la em 1954. Acabou escondido num vão de escada. Getúlio se matou, mas o trabalhismo continuou com Jango. Em 1964, a UDN e Lacerda voltaram a atacar a era Vargas associados aos militares e à mídia. Deram o golpe. Lacerda achou que seria brindado com o poder nas eleições presidenciais seguintes, que foram canceladas. Ele acabou cassado e indo depois a Montevidéu pedir penico a Jango em defesa de uma Frente Ampla, que a ditadura tratou de ceifar. A democracia voltou em 1989. Um maluco foi eleito. Pretendia matar o dragão da maldade, a herança varguista. Veio Fernando Henrique Cardoso. O rei dos tucanos tratou de avisar que acabaria de vez com o legado de Getúlio Vargas. Também não conseguiu.

Michel Temer está disposto a atingir o objetivo que seus antecessores não alcançaram: destruir a legislação trabalhista gestada na época do ditador Getúlio Vargas. Sancionou o projeto de terceirização aprovado pela Câmara dos Deputados a partir de um estratagema juridicamente duvidoso, a repescagem de um projeto aprovado pelo Senado em 1998, que trouxe um jabuti venenoso: a pejotização total das relações de trabalho. O termo designa os vínculos de trabalho com Pessoas Jurídicas (chamadas de pejotas). Na prática, cada um pode abrir sua empresa e fornecer seus serviços através dela. A pergunta que grita por toda parte agora é: por que uma empresa vai contratar alguém com carteira assinada e encargos decorrentes se pode contratar a mesma pessoa como Pessoa Jurídica sem carteiras assinada e sem encargos? A resposta parece evidente: a pejotização vencerá.

A terceirização permite a uma empresa obter força de trabalho por outra empresa interposta. O governo quer convencer de que nada muda. O empregado terá carteira assinada e todos os direitos assegurados pela terceirizada, ou seja, a empregadora. Mas trata de garantir a sua parte: o INSS será recolhido pela contratante antes de repassar o devido à contratada (terceirizada). Um assessor de Tancredo Neves preparou-lhe um discurso no qual brilhava esta frase: “Esforçar-nos-emos para construir um país mais inclusivo”. Tancredo traduziu o embrulho por “vamos trabalhar por um país em que ninguém fique de fora”. Michel Temer prefere a mesóclise que esconde a verdade. A terceirização é uma pejotização que dispensa o empregador de assinar carteira e pagar férias, décimo-terceiro, horas extras e FGTS. Pode ser ótimo para quem já tem um emprego com todos esses direitos e exerce uma segunda atividade e quer pagar menos imposto de renda. Para o restante será apenas um drible da vaca de deixar o driblado sentado no chão vendendo navios abarrotados de maganos rumo a Miami.

Finalmente a era Vargas agoniza. Como sempre o crime é cometido em nome da modernidade. É por isso que sempre aviso. Se ouvir a palavra modernização, erga as mãos ou saia correndo. Nunca reaja sozinho. É morte certa. O único jeito é andar em grupo. Armado de bandeiras.

Os defensores da terceirização dirão que não é bem assim.

Não é.

É muito pior.

A terceirização (pejotização) é o drible da vaca.

O trabalhador fica parado.

O capital comemora.

Gol.

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