Ainda os felizardos do TCE/RS

Ainda os felizardos do TCE/RS

Escândalo chocante de extras

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   O grande escândalo da semana passada aconteceu no Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul: o pagamento de extras fabulosos, embora não ilegais, aos conselheiros: o mais felizardo embolsou, livre de impostos, R$ 694.182,99. Férias e licenças-prêmio não gozadas. Enquanto isso, como diz aquela música, “o povo passa fome, o povo quer comer”. Como explicação, um estímulo para que os conselheiros não se aposentassem. Licença-prêmio sempre foi uma excrescência. Férias de dois meses é algo repugnante que torna determinados servidores públicos detentores de um privilégio nojento. Quando é que isso vai acabar?

      Enquanto a casta do TCE via suas contas bancárias engordarem, na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul o governo aprovava um pacote duríssimo de reformas para diminuir ganhos, entre outros, de professores, cujos salários são pouco mais do que miseráveis e são pagos atrasados há mais de quatro anos. Como foi possível que os deputados, com ajuda do PT, tenham rejeitado a PEC do duodécimo, que obrigaria todos os poderes a dividir o ônus da falta de dinheiro para custear a máquina pública em momentos de crise? Montesquieu, pai da separação dos poderes, deve revirar-se no túmulo ao ver como se interpreta a sua teoria no Brasil. O judiciário, por exemplo, deve ter independência na aplicação da sua atribuição de julgar. Nada mais. O resto é usurpação por quem não tem votos.

      O restante deve ser definido pelo legislativo. Só os eleitos têm legitimidade total, pois todo poder emana do povo. Montesquieu não foi o primeiro nem o único a tratar da separação de poderes, mas foi aquele que, na esteira de John Locke, sistematizou de modo mais consistente o que ainda se aplica com adaptações e atualizações. Para Montesquieu, mais do que a separação entre poderes, contava o equilíbrio entre eles. Nada de eu faço o que eu quiser com meu orçamento depois que ele foi definido pelo legislativo. Um tribunal de contas não faz parte do judiciário. É órgão auxiliar do legislativo. Não pode viver num mundo encantado enquanto a vida lá fora apodrece. Montesquieu previas as competências dos poderes de estatuir e impedir. Há muito a ser impedido quando se quer estatuir em causa própria.

      Há pouco, o ministro Luís Fux, do STF, cancelou temporariamente a entrada em vigor de um novo mecanismo criado por uma lei aprovada pelo legislativo simplesmente por não gostar dele. A fundamentação sobre a constitucionalidade da lei foi pífia e claramente política. O legislativo precisa limitar o poder monocrático dos membros do STF. Um homem sozinho não pode substituir, mesmo que temporariamente, o parlamento inteiro. No mínimo, precisa haver prazo fixo para o exame de uma decisão monocrática pelo colegiado. Assuntos diversos, perspectivas convergentes: tudo está interligado. O pagamento dos extras do TCE-RS enquanto se alterava a vida dos servidores públicos menos aquinhoados foi um tapa na cara da maioria dos funcionários, um deboche, Maria Antonieta mandando o povo comer bolo na falta de pão.

      Cada órgão pode alegar que só está cumprindo a lei. Sim e não. A única lei que realmente vigora é a do costume: meu pirão primeiro.

     


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