Angústia da felicidade

Angústia da felicidade

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Filosofia 24 horas

 

      Fim de ano me faz pensar na felicidade como nunca. Você só quer ser feliz. Por que não? É seu direito. Houve um tempo em que não era assim. Antes de ser feliz, o importante era cumprir o seu dever. Ou simplesmente sobreviver. Como pensar em felicidade quando se tinha de trabalhar 16 horas por dia para realizar a acumulação primitiva do capital dos donos das fábricas? A humanidade já se pautou pelo sacrifício, pelo dever, por ideologias e outras ficções desse tipo. Cada época com o seu imaginário. O imaginário é uma ficção coletiva vivida como uma realidade objetiva. Morrer pela pátria ou por uma causa era uma honra. Quantos estrebucharam em guerras loucas e genocidas em nome do civismo?

Ser feliz, como diz a música de Kleiton e Kledir, é tudo o que se quer. Os filósofos, ao longo dos séculos, antes de serem esterilizados por normas acadêmicas e obrigações de produtividade quantitativa, tratavam era disso, do bem-viver, do belo, do bem, do verdadeiro, da felicidade, do cotidiano, dos dilemas éticos e morais. Ser feliz já foi utopia. Tornou-se meta. Virou obsessão. A felicidade pode doer. Onde ela está? No conhecimento? No ser? No ter? No parecer? Na religião? Na liberdade? Na realização ou na negação dos desejos? No autocontrole? No pensamento positivo? Na autoconfiança? Como alcançá-la? De que é feita? Qual o seu tempo de duração? Pode-se ser feliz sempre? Qual o preço da felicidade?

Ousemos: o principal tema da filosofia é a felicidade. Kant perguntou: o que podemos saber? O que devemos fazer? O que temos direito de esperar? O que é o homem? Cabe acrescentar: o que é a felicidade? Nenhuma questão é tão importante atualmente quanto essa. A vida é curta. Mas, na infelicidade, pode ser longa. O que podemos saber sobre a felicidade? O que devemos fazer pela felicidade? O que temos direito de esperar em termos de felicidade? O que é o homem feliz? Uma filosofia digna desse nome deve se impor a questão da felicidade como uma ética. A história da humanidade tem sido a história da luta entre duas classes antagônicas e complementares, a dos felizes e a dos infelizes. Podemos sonhar com a utopia de uma sociedade com felicidade para todos em algum momento? Na maior parte do tempo? Quais podem ser os obstáculos à felicidade geral? A doença? A morte? O amor não correspondido? A dor?

A sociedade de consumo tem oferecido a compra e posse de objetos e de bens imateriais como parâmetro de felicidade. Ser feliz seria consumir o máximo possível. Basta? Funciona? Até que ponto? O produtivismo exige consumidores insaciáveis. A engrenagem não pode parar. E se a felicidade estiver, em algum momento, em ter menos? Em retornar para a natureza, para a família, para o local, para o simples? Você abriria mão de que para ser feliz? Se eu fosse filósofo, pautaria o meu pensamento por três eixos clássicos: como sei que sei? Como provo que provo? Como posso ser feliz? Nenhuma questão é tão importante quanto a da felicidade. É possível ser feliz? É uma ilusão? A felicidade pode conviver com a infelicidade? Chega de preconceito: pensar a felicidade é uma questão filosófica maior.

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