Angústia e felicidade

Angústia e felicidade

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Tenho escrito muito sobre a felicidade. Alguns acham que faço isso para não falar de Jair Bolsonaro. Há sempre teoria da conspiração no ar. Ainda mais que os ânimos nunca se acalmarão quando se trata de fazer conviver a torcida do
Corinthians com a do Palmeiras. Bola para frente. Na verdade, eu me convenci de que a questão mais importante de uma filosofia do século XXI é a felicidade. Um retorno às origens gregas. Podemos ou não ser felizes? O que é a felicidade? Como alcançá-la? O que disseram os grandes pensadores sobre o tema? Dezembro é um mês preocupante. Muitas pessoas se angustiam mais. Nos países frios, a luz natural diminui, a depressão aumenta, a melancolia corre solta, a pressão das festas adoece. Entre nós, mesmo com muito sol, muita gente sofre.

O Natal é festa de família. O Ano Novo é festa com amigos. Para muitos, dois problemas. A família diluiu-se ou não supera as diferenças entre os seus membros. Faltam amigos. O tempo passou. O isolamento instalou-se. Por trás de tudo, muitas vezes, está a estranha sensação de que o fim de um ano de calendário representa um ciclo existencial e que não se realizou o desejado. O medo da solidão, a sensação de fracasso, as conveniências sociais, enfim, tudo pode funcionar como uma areia movediça. A felicidade é uma palavra, um conceito subjetivo, uma utopia, um ideal. Dificilmente escapa de algo como estar bem consigo mesmo, sentir-se sereno, querer seguir em frente, gostar do que se é e do que se faz.

Angústia e felicidade duelam dentro de nós a cada dia. A angústia pode ter a ver com desequilíbrios químicos em nosso cérebro ou com fraturas existenciais: o tempo que passa, a vida que segue, tudo o que fica para trás, aquilo que ainda será possível fazer, expectativas, cobranças, projetos, amores, sonhos, ameaças, temores. Teremos emprego amanhã? O futuro está garantido? Nossos filhos e netos ficarão bem? Ainda podemos ser aquilo que sempre quisemos? O franco-argelino Albert Camus, prêmio Nobel da literatura de 1957, pode um dia dizer: “Quando procuro o que há de fundamental em mim, é o gosto da felicidade que eu encontro”.

É que todos gostaríamos de dizer, imagino. Não se trata de uma ideia infantil de felicidade. Ser feliz em permanência. Quem não gostaria? Mesmo assim, por felicidade se entende, a partir de certo momento e de alguma estrada, um estado de satisfação mais duradouro, não de êxtase, não de adrenalina a mil, mas de tranquilidade e contentamento consigo mesmo. A felicidade, em certa época da vida, para alguns, é fazer o gol, correr para o abraço e acumular troféus. Em outros momentos, a felicidade é jogar, estar no jogo, participar. Felicidade é bem-estar, estar bem.

A filosofia, por muito tempo, considerou subjetivo demais ou até de autoajuda esse assunto.

Preferiu dedicar-se a obscuras questões de lógica.

Queria ser uma espécie de matemática argumentativa. A questão da felicidade, porém, é real, urgente e incontornável. Gera ansiedade, desamparo, desespero, impotência, fragilidade e perplexidade. Se não podemos falar da felicidade, parafraseando um filósofo austero ainda na moda, certo Wittgenstein, melhor calar. O silêncio, contudo, fala muito.

 

 

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