Antropologia do cotidiano

Antropologia do cotidiano

Um passeio pelos bares de Paris

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É simples: garçom, na França, não é garçom. Garçom é rapaz. Já o garçom brasileiro é serveur. De qualquer maneira, os rapazes que trabalham como garçons na França, quer dizer, os garçons que trabalham como serveurs, não dão mole. Daria para escrever um livro sobre como atuam. Aliás, existe um livro muito divertido sobre esse tipo de assunto, “Os parisienses são piores do que se imagina”, de Louis-Bernard Robitaille, correspondente na capital francesa do jornal canadense La Presse. Um parisiense não diria, no caso, canadense, mas quebequense. A primeira frase do livro é esta: “Os parisienses têm má reputação”. Verdade ou mito?

      Eu diria: os garçons franceses têm má reputação. Os rapazes, nem sempre. No Brasil, o cliente escraviza o garçom. Na França, o garçom chicoteia o cliente. Nada de pedir uma coisa de cada vez. Se fizer, ouve:

– Eu não estou aqui para servi-lo exclusivamente. Tem mais gente, notou?

      Nada de sentar onde bem entende. Nas mesinhas da calçada, ao sol de inverno, arrumadas para o almoço, nem pensar em tomar café ou um vinho:

– Vai comer? Se não vai, coloque-se do outro lado, senhor.

      Não se trata de um pedido, mas de uma ordem. Se o sujeito reclama, bom brasileiro acostumado a dar um bom desdobre, toma logo um tranco:

– Não está contente, procure um lugar melhor. Opção na falta.

      É preciso acostumar-se. Passado o solavanco, eles sorriem e falam com alguma doçura. Na despedida, sempre arrependidos, derretem-se. O espaço é apertado. Estávamos no Danton, no coração do Quartier Latin. Duas melhores acharam o lugar reduzido demais. Tentaram apartar as mesas:

– Não há razão para que vocês precisem de mais espaço – ralhou o garçom.

– Parece muito justo. Não vão caber os pratos – sussurrou uma delas.

– Como não? Há décadas todo mundo senta e come aí. Vocês também podem.

      Elas obedeceram. Na praça da Sorbonne, pedi uma água mineral. Uma Perrier. Com o real fraco, sai por 25 reais. Vem com uma rodela de limão que parece uma tampa. Fiquei tomando com o nariz encostando no limão.

– É muito difícil beber assim, não percebe? – xingou o garçom.

      Na sequência, tratou de me entregar o canudo que sempre acompanha a água. Eu ri. Ele desconfiou. Imaginou que eu era um ecologista radical.

– É assim mesmo, hein!

      Ri mais. Durante anos, como doutorando na França, nesse mesmo bar, éramos atendidos por um velho garçom, “Le Gros”, que exclamava:

– Com os brasileiros não têm jeito, tiram tudo do lugar.

      Segundo Robitaille, “em Paris o código de comportamento é quase tão rígido e complexo quanto o sistema de ideogramas chineses”. Compreendido isso, tudo fica simples. Cada um no seu lugar. Todo ano, vemos um velho professor lendo o jornal na mesma mesa do mesmo bar, das 14 às 18 horas.


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