Bolsonaro é uma mentalidade

Bolsonaro é uma mentalidade

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É preciso insistir. A verdade cala aos poucos. Não, Jair Bolsonaro não é um candidato como outro qualquer. É pior. Ele é um imaginário, uma mentalidade, uma visão de mundo obscurantista. Uma maneira de ver as coisas em preto e branco que salta do mundo das ideias para uma triste realidade manipulada. O seu método de leitura do que acontece na vida é a simplificação brutal. Torna o complexo falsamente simples por meio de uma redução a zero dos fatores que adensam qualquer situação. Se há violência contra os cidadãos, que cada um receba armas para se defender. Se há impunidade, que a justiça seja sumária e sem muitos recursos. Se há bandidos nas ruas, que a polícia possa matá-los sem que as condições de cada morte sejam examinadas. Se há corrupção, que não se perca tempos com processos. Se a democracia admite a dissonância, que se adote a ordem impositiva.

Bolsonaro encarna o pensamento do homem “medíocre”, o homem mediano que não assimila explicações baseadas em causas múltiplas. Se há miséria, a culpa é da preguiça dos miseráveis. Se há crime, a culpa é sempre da má índole. Se há manifestações de rua, é por falta de ordem e de regras rígidas que impeçam de atrapalhar o trânsito. A sua filosofia por excelência é o preconceito em tom de indignação moral, moralista. A sua solução ideal para os conflitos é a repressão, a cadeia, o cassetete. Bolsonaro corporifica o imaginário do macho branco autoritário que odeia o politicamente correto e denuncia uma suposta dominação do mundo pelos homossexuais. É o cara que, com pretensa convicção amparada em evidências jamais demonstradas, diz:

– Não se pode mais ser homem neste país. Vão nos obrigar ser gays.

– Os comunistas estão batendo na porta. Precisamos resistir.

– A ordem natural está em perigo.

Ele representa a ideia de que ficamos menos livres quando não podemos fazer tranquilamente piadas sobre negros, gays e mulheres. Bolsonaro tem a cara de todos aqueles que consideram índios indolentes, dormindo sobre latifúndios improdutivos, e beneficiários do bolsa família preguiçosos que só querem mamar nas tetas do Estado. Bolsonaro é o sujeito desinformado que sustenta que na ditadura não havia corrupção, ignorando que os casos se acumulavam encobertos pela censura. É o empresário ambicioso e inescrupuloso que se for para ganhar mais e mais dinheiro abre mão da democracia, elogia a ditadura de Pinochet e ignora direitos. É o produtor que vê exagero em certas denúncias de trabalho escravo. É o homem que acha normal, em momentos de estresse, chamar mulher de vagabunda. O eleitor padrão de Bolsonaro sonha com uma sociedade de homens armados nas ruas, sem legislação trabalhista, sem greves, sem sindicatos, sem liberdade de imprensa.

O projeto de Bolsonaro é o retorno a um regime de força por meio de voto. A

parelhamento da democracia para fins autoritários.

Na parede do imaginário e de certas propagandas de Bolsonaro e dos seus fiéis aparecem ditadores.

O seu paraíso é da paz dos cemitérios e das prisões para os dissidentes.

Um imaginário é uma representação que se torna realidade. Uma realidade que se torna representação. Bolsonaro é um modo de ser no mundo baseado na truculência, na restrição de liberdade, na eliminação da complexidade, no encurtamento dos processos de tomada de decisões, na divisão social entre os destinados aos grandes voos e os limitados à condição de meros coadjuvantes.

Bolsonaro usa a democracia para asfixiá-la.

É um efeito perverso do jogo democrático. Condensa uma interpretação do mundo que não suporta a diversidade, o respeito à diferença, a pluralidade, o dissenso, o conflito, o embate, a solidariedade como valor maior. Inculto, ignora a história. Não há dívida com os escravizados e seus descendentes. A culpa pela infâmia da escravidão não é de quem escravizou. O presente exime-se do passado. Bolsonaro é a ignorância que perdeu a vergonha e exibe-se em praça pública. Em momentos graves, a ninguém é permitida a omissão. Direita republicana e esquerda uniram-se na França contra a extrema-direita de Marine Le Pen.

Mulheres lançaram a hastag #EleNão contra Bolsonaro. Por quê?

Aos fatos: quem chama mulher de vagabunda, é machista. Quem diz que prefere a morte de um filho a saber que ele é gay, é homofóbico. Quem fala de peso de negros em arroubas, é racista. Quem diz que nada entende de economia não pode postular a presidência de um país. É ignorante. Quem defende que índio tem de evoluir e adotar costumes dos outros, os nossos, dos brancos civilizados, comete etnocentrismo. Quem defende que uma ditadura como a chilena deveria ter matado mais, achando três mil assassinatos pouco, é um monstro. Quem já pregou o fuzilamento de adversários políticos, como o de Fernando Henrique Cardoso, e o fechamento do Congresso Nacional, não é um democrata.

Quem defende tortura e execução sumária de criminosos, não acredita em Estado de Direito. Prefere a lei do mais forte. Coloca a vingança acima do Direito. Legitima a barbárie. É um perigo para a democracia. Quem afirma que o erro da ditadura brasileira foi não ter matado mais, é psicopata. Quem sente saudade de ditador e dos momentos mais repressivos de um regime hediondo de exceção, é perverso. Quem tem torturador notório como herói, não é Brilhante em coisa alguma. Quem aceita que mulher pode ganhar menos pelo mesmo trabalho feito por homem, é misógino. Quem diz que não estupraria uma mulher por ela ser feia, derrapa duas vezes: admite e compreende hipoteticamente estupro de mulher bonita; revela-se grosso, vulgar, rasteiro e estúpido.

O bolsonarismo é um pesadelo que tenta se apresentar como sonho de retorno ao paraíso perdido da ordem, do progresso, da segurança e da paz. Não se trata de uma utopia, mas de uma flagrante distopia.

Contra o abismo só há um procedimento eficaz: o voto.

Se necessário, o voto útil.

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