Brasil, belezas e coronéis

Brasil, belezas e coronéis

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Passar uma manhã de domingo na Boa Viagem contemplando o azul do céu. Passar uma tarde de domingo no centro histórico de Recife vendo a multidão se divertir com bandas de músicas, bonecos e até arte japonesa. Passar um começo de noite em Olinda ouvindo grupos de percussão quase só de meninas loiras e negras. Passar um domingo no Nordeste sempre tem algo de mágico. É a mágica do cotidiano e da cultura popular. Faço isso todo ano. Reservo parte das minhas férias para as praias nordestinas. Sempre que possível, vou ao sertão. Durante o ano de trabalho, aproveito todos os pretextos para dar um voo a alguma cidade nordestina. É outro Brasil.

É outro Brasil, mas continua sendo parte da nossa brasilidade. Vou com frequência a Alagoas, belo e triste Estado de lindas praias e enorme desigualdade social, território do coronel Renan Calheiros, que pretende comandar o Senado pela quinta vez com ajuda do voto secreto dos colegas e apesar de responder a 14 processos. O que salvou Calheiros de ser ceifado na operação limpeza eleitoral junto com os coronéis Eunício Oliveira, Edison Lobão, Cássio Cunha Lima, Romero Jucá e tantos outros expoentes do feudalismo político ainda praticado neste país de imensos currais alimentados com compra de votos, cabresto, clientelismo e patriarcalismo?

Calheiros é uma raposa escolada. É capaz de acreditar até no que ele mesmo diz. Um dia é de esquerda. No outro, de direita. Se há poder ele está dentro, exceto quando, estando dentro, é melhor fingir que está fora, até o momento de recuar, avançar ou não arrendar pé conforme a conveniência. Se precisar, bate abaixo da linha da cintura. Se for o caso, exalta a democracia. Entusiasma-se com as próprias palavras quando louva as qualidades do seu povo, sendo a fidelidade, que não pratica, mas cobra, a qualidade que mais destaca. Renan Calheiros precisa ser estudado em laboratório. Quando até o clã Sarney desfalece, ele continua impávido. Colosso, não. Ainda que talvez se reconheça no Colosso de Alagoas.

Passar um domingo com os pés na areia sentindo as vibrações do universo. Colar os olhos num painel de Brennand. Sorver os cheiros da terra. Sentir na pele a vibração dos tambores. Absorver as variações da cor do mar. Tentar entender a vitalidade de um povo apesar das suas dificuldades. O Brasil é um laboratório permanente das suas contradições. Para quem não compreende as variações de um homem no tempo, com seus paradoxos e observações sujeitas as tempestades, é preciso citar Eliot:

“As casas vivem e morrem: há um tempo para construir

E um tempo para viver e conceber

E um tempo para o vento estilhaçar as trêmulas vidraças

E sacudir o lambril onde vagueia o rato silvestre

E sacudir as tapeçarias em farrapos tecidas com a silente legenda.

Em meu princípio está meu fim. Agora a luz declina”.

 

 

 

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