Camus e João Cabral

Camus e João Cabral

Morte e nascimento de dois grandes escritores

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No último sábado, 4 de janeiro, fez 60 anos da morte, em acidente de carro, de Albert Camus, Nobel de literatura em 1957. Num texto de 1939, Camus definiu as qualidades de um jornalista em tempos sombrios: lucidez, perseverança, capacidade de dizer não e uso da ironia. A censura era o inimigo. Ontem, comemorou-se o centenário de nascimento de um dos maiores poetas brasileiros de todos os tempos, João Cabral de Melo Neto. Em 1953, acusado de criar uma célula comunista, João Cabral foi afastado do cargo de diplomata por decreto de Getúlio Vargas. Voltou em 1954 por determinação do Supremo Tribunal Federal. João Cabral merecia o Nobel.

      É dele o poema “Tecendo a manhã”, ode à palavra que se dissemina:

“Um galo sozinho não tece uma manhã:
ele precisará sempre de outros galos.
De um que apanhe esse grito que ele
e o lance a outro; de um outro galo
que apanhe o grito de um galo antes
e o lance a outro; e de outros galos
que com muitos outros galos se cruzem
os fios de sol de seus gritos de galo,
para que a manhã, desde uma teia tênue,
se vá tecendo, entre todos os galos.”

      Quando a censura volta pela porta da frente, sem pudor nem lucidez judicial, só resta ler gente como Camus e João Cabral. Camus repicou o canto de um galo: “Não são poucos os obstáculos à liberdade de expressão. Não são os mais graves deles que poderão desencorajar um espírito”. Alertou: “É preciso reconhecer, porém, que há obstáculos desencorajadores: a constância na tolice, a covardia organizada, a ininteligência agressiva”. O que pode fazer um simples Severino?

“E se somos Severinos
iguais em tudo na vida,
morremos de morte igual,
mesma morte severina:
que é a morte de que se morre
de velhice antes dos trinta,
de emboscada antes dos vinte,
de fome um pouco por dia
(de fraqueza e de doença
é que a morte Severina
ataca em qualquer idade,
e até gente não nascida).
Somos muitos Severinos
iguais em tudo e na sina:
a de abrandar estas pedras
suando-se muito em cima,
a de tentar despertar
terra sempre mais extinta,
a de querer arrancar
algum roçado da cinza.”


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