Confissões do general

Confissões do general

Cúpula do Exército pressionou STF

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      O livro do ano até agora é “Conversa com o comandante”, depoimento de 13 horas do general Eduardo Villas Bôas, ex-chefe do Exército, ao pesquisador Celso de Castro, da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Em 3 de abril de 2018, véspera do julgamento pelo STF de um Habeas Corpus que poderia favorecer o ex-presidente Lula , matéria que suscitava enormes polêmicas no país inteiro, o general Villas Bôas tuitou para espanto de muita gente: “Asseguro à Nação que o Exército Brasileiro julga compartilhar o anseio de todos os cidadãos de bem de repúdio à impunidade e de respeito à Constituição, à paz social e à Democracia, bem como se mantém atento às suas missões institucionais. Nessa situação que vive o Brasil, resta perguntar às instituições e ao povo quem realmente está pensando no bem do País e das gerações futuras e quem está preocupado apenas com interesses pessoais?”.

      O então decano do STF, ministro Celso de Melo, reagiu: “Em situações tão graves assim, costumam insinuar perigosamente pronunciamentos, ou registrar-se movimentos que parecem prenunciar a retomada de todo inadmissível de práticas estranhas e lesivas à ortodoxia constitucional, típicas de um pretorianismo que cumpre repelir”. Em português normal, o ministro tomou a postagem do general como ameaça de golpe. Villas Bôas diz que não foi ameaça, mas alerta. Só que a postagem, admite, foi discutida com a alta cúpula do Exército: "O texto teve um 'rascunho' elaborado pelo meu staff e pelos integrantes do Alto Comando residentes em Brasília. No dia seguinte da expedição, remetemos para os comandantes militares de área. Recebidas as sugestões, elaboramos o texto final, o que nos tomou todo expediente, até por volta das 20 horas, momento que liberei”.

      A rusga dos militares tomou vulto no governo de Dilma Rousseff com a criação da Comissão da Verdade. Villas Bôas conta que isso foi considerado uma “facada”. O general encontrou-se com Michel Temer para uma conversa antes do impeachment da presidente. Durante a campanha eleitoral que levou Jair Bolsonaro ao poder, Villas Bôas organizou entrevistas para sabatinar os candidatos e divulgar os pontos de vista da sua corporação. Um tema sensível: o combate ao chamado politicamente correto, do qual a população estaria cansada. O que é? Enfrentar o racismo, a homofobia, o machismo e a desigualdade.

      Eleito, Bolsonaro agradeceu a Villas-Bôas e prometeu jamais revelar o que conversaram: “General Villas Boas, o que já conversamos morrerá entre nós. O senhor é um dos responsáveis por eu estar aqui”. A impressão que o depoimento do militar passa é simples: as Forças Armadas acharam conveniente se envolver em política novamente. O general, sobre o episódio do tuíte de alerta ao STF, confessa: "Tínhamos a consciência de estarmos realmente tangenciando o limite da responsabilidade institucional do Exército”. A bola saiu ou não? Para muitos, o limite foi cristalinamente ultrapassado. Justificativa: suposto clamor de empresários e sociedade por uma intervenção militar. Já se ouviu isso. A ação teria sido para evitar uma convulsão. O filme é velho. O golpe, repetido.


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