Constituição é clara

Constituição é clara

Carta diz o que não pode ser mudado por emenda

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Tenho um amigo que só tem uma certeza: imparcialidade não existe. Esse meu dileto amigo, volta e meia, dispara contra a revista Veja e contra a Rede Globo: “Não são imparciais”, reclama. É a mesma crítica que faz a Sérgio Moro. Eu, de minha modesta posição de fala, sou categórico: é possível ser imparcial. Mas é difícil. Nada na estrutura cognitiva humana impede definitivamente a imparcialidade. Outra coisa é saber se a imparcialidade é desejada ou conveniente em todos os casos. Ser imparcial é não agir como parte. Numa discussão sobre pedofilia, devo tomar parte contra o pedófilo ou ser imparcial?

      Outra verdade do momento é que tudo depende de interpretação.

Não posso concordar com essa interpretação. O grande filósofo da linguagem Ludwig Wittgenstein afirmou: "Tudo o que pode ser dito, pode ser dito claramente; o que não pode ser dito claramente, deve relegar-se ao silêncio". De onde surgiu essa ideia de que é impossível escrever “y” e ter como leitura “y”? A clareza para Wittgenstein vem disto: “Devemos atribuir um significado às palavras que usamos se desejamos falar com algum significado e não por simples tagarelice, e o significado que atribuímos às palavras deve ser algo do qual todos já tenham conhecimento”. Na Constituição Federal de 1988 há muitos textos que não admitem qualquer interpretação. Vejamos um exemplo:

“Art. 60 – § 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: I - a forma federativa de Estado; II - o voto direto, secreto, universal e periódico; III - a separação dos Poderes; IV - os direitos e garantias individuais”. Só há uma coisa a entender: não é possível alterar a forma federativa, o voto direto e a separação de poderes por emenda constitucional. Nada mais. Isso se chama cláusula pétrea. Qualquer interpretação disso é trapaça hermenêutica ou golpe. Inconstitucional. Resta o quarto ponto: os direitos e garantias individuais. Logicamente vem a pergunta: quais são?

Onde estão previstos na própria constituição? Uma análise de texto só pode considerar o que está no texto e não intenções ausentes.

Eis:  “Título II – Dos Direitos e Garantias Fundamentais
Capítulo I – Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos.
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:” Depois desses dois pontos são listados 78 incisos, entre os quais este: “LVII - ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Seja o que for que signifiquem, não podem ser alterados por emenda constitucional. Alguém sugere alterar o voto direto por emenda constitucional? Ou a separação dos poderes? Ou a federação?

A norma admite a prisão cautelar antes da setença penal condenatória. É tudo. Uma cautelar precisa estar fundamentada em ameaça à ordem pública, à ordem econômica, ao processo ou ao risco de fuga. É só examinar cada caso.

Nem tudo é passível de interpretação. Umberto Eco escreveu um livro sobre os limites da interpretação. Há casos em que a interpretação se constitui simplesmente num abuso de poder. Wittgenstein foi claro: é possível ser claro. O resto é latinório.

 

 

     

 


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