Das razões do exílio

Das razões do exílio

Por que pessoas partem?

publicidade

    Na capa do jornal “Le Monde” de ontem: “Por que a França tem carência de mão de obra?” Tema que traz outro: o que leva alguém a querer viver longe do seu país? Ditaduras, miséria, desespero, desemprego, falta de perspectiva, desencanto? O que leva pessoas de classe média a quererem morar longe de casa? Desejo de novas emoções, fantasias sobre a vida perfeita no Europa ou nos Estados Unidos, tédio, cansaço, falta de novas oportunidades, modas, projetos. O exílio voluntário pode ter uma faceta psicológica curiosa: preencher o vazio de alguns com a ausência. Sentir saudades torna-se uma razão de ser. Não digo que seja a razão principal de tantas partidas. Sempre, no entanto, me espanto com essa coragem de partir para longe dos afetos. Farei uma tipologia de araque. Há três tipos de pessoas: as que voltam para a terra natal, as que escolhem o exílio e as que não se mexem mais. Tenho forte tendência a ser do primeiro grupo.
Eu me vejo mais facilmente morando em Palomas do que em Portugal ou na França. Já disse isso antes. Existe, porém, o exílio feliz. Conheci pessoas que se deliciavam vivendo longe do ponto de origem. Por vezes, salvo engano meu, o olhar se perdia no horizonte gelado.

*
Jean Baudrillard, o pensador patafísico, escreveu: “A televisão chama bastante a atenção nos tempos que correm. Faz falar dela. Em princípio, ela está aí para nos falar do mundo e para apagar-se diante do acontecimento como um médium que se respeite. Mas, depois de algum tempo, parece, ela não se respeita mais ou toma-se pelo acontecimento”. Já era. O acontecimento hoje são as redes sociais.
*
    Não faz muito, tivemos a imagem da guarda de fronteira a cavalo chicoteando os haitianos que tentavam entrar nos Estados Unidos, o que remete aos tempos da escravidão, quando brancos tangiam negros como faziam com animais. O passado vive infiltrado no presente. Enquanto isso os carros voadores se tornam realidade. A Gol fez a sua encomenda e pretende operar com as aeronaves elétricas de decolagem e pouso vertical a partir de 2024. A tecnologia avança; o imaginário regride. Tecnológica e cientificamente somos muitos diferentes dos nossos antepassados. Em comportamento podemos ser iguais ou até piores.
*
    Gonçalves Dias morreu em naufrágio na costa do Maranhão em 3 de novembro de 1864. Ficaram os seus versos que Machado de Assis amava e que talvez não sejam mais lidos, salvo por obrigação escolar:

Não permita Deus que eu morra, Sem que eu volte para lá; Sem que desfrute os primores Que não encontro por cá; Sem qu'inda aviste as palmeiras, Onde canta o Sabiá."

    Era no tempo da poesia, quando a palavra fazia folia na vida das pessoas. Viajar era então muito perigoso. Talvez menos do que hoje.

 


Mais Lidas





Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895