Deitado em berço esplêndido

Deitado em berço esplêndido

Ruminações de um escritor maldito

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Olhei o meu Lattes: tenho 50 prêmios, honrarias, destaques e distinções, coisas assim. Mas sempre que recebo uma, ouço: “Finalmente te reconhecem” ou "é um reconhecimento". Ainda bem que sou contra as armas. Marcos Santarrita, que sonhava ser o novo Jorge Amado, mas partiu sem ser reconhecido, dizia: “Nunca reclame. Não passe recibo”. Eu sempre adorei reclamar, que é uma forma de provocação fora da regra do jogo. Na minha opinião, com humor, que sou um Woody Allen de Palomas. Tenho grandes intuições. Publiquei um livro sobre Getúlio Vargas nos 50 anos do suicídio do maior político brasileiro da história. Na época, eu havia criticado a revista Veja, que fazia as reputações. Fiquei sem mídia. Mesmo assim, entrei por semanas na lista dos mais vendidos. Anos depois, Lira Neto fez o mesmo livro, em três volumes, apresentando como novidades situações esclarecidas por mim e por outros e vendeu como pão quente. Ser amigo da mídia de Rio e São Paulo muda tudo. Pensei com minhas páginas: mais vale a beleza do sol nascente.

      Publiquei, em 2017, “Raízes do conservadorismo brasileiro, a abolição na imprensa no imaginário social”. Ganhei o prêmio da Associação Paulista de Críticos de Arte. Mas Jessé Souza e Lilia Schwarcz, que publicaram livros sobre assuntos parecidos, ganharam a mídia. Jessé, que fez um bom livro, tinha toda a esquerda do seu lado. Lilia, a Cia das Letras, a Folha de S. Paulo, a Flip e os novos modernos da elite paulistana, que desde 1922 fazem revoluções estéticas com patrocínio de exportadores de café ou de bancos. Pensei com minhas frases: como é lindo o crepúsculo dos ídolos. Toquei muita flauta em Laurentino Gomes por ter publicado “1808”, “1822” e “1889”, tendo esquecido 1888, para mim o ano simbolicamente mais importante da história do Brasil. Ele absorveu a crítica e o bordão – passou a dizer que a escravidão é o grande tema da história do país – e resolveu escrever três volumes (fetiche da trilogia) sobre a escravidão no Brasil. A mídia está assanhada. Penso com minhas dúvidas: tenho certeza de que há flores nos campos.

      Ganhei três prêmios Açorianos, a principal distinção literária gaúcha: por uma tradução, por um livro de crônicas, “Para homens na crise dos 40 e para mulheres interessadas em compreendê-los”, e agora por “Raízes do conservadorismo brasileiro”. Meu amigo David Coimbra e eu fomos agraciados em categorias específicas, numa espécie de equilíbrio diplomaticamente construído para “reconhecer” os dois amigos concorrentes e representantes das duas grandes empresas de comunicação do Estado. O prêmio do ano foi para outro livro. Bom. O júri era composto por conhecidos, que obviamente não quebrariam esse equilíbrio fazendo a balança pender para um dos lados. Nem nos encheriam a bola em demasia. Uma pena. Pensei com meus louros: a colheita permite semear o futuro. Meu livro é o melhor da década. Melhor só outro livro meu, “História regional da infâmia, o destino dos negros farrapos e outras iniquidades brasileiras”, o mais importante do século XXI por estas bandas, que não recebeu prêmio algum por razões óbvias, o que não deixa de ser uma condecoração.

Setembro é mês de ler "História regional da infâmia". Em acampamento.

      Sou muito modesto. Modestamente megalomaníaco. Prêmio mesmo, de encher o peito, de ficar prosa e se achar bacana, é assim: a medalha do Mérito Farroupilha, que a Assembleia Legislativa me atribuiu. O máximo que a casa podia oferecer. Serviço completo. Prêmio que eu ofereço novamente aos negros massacrados em Porongos com o aval dos farrapos. É por isso que estabeleci uma meta para me compensar de qualquer insatisfação ou ressentimento: ganhar o Nobel da Literatura. E não aceitarei dividi-lo com ninguém. Nem mesmo com Michel Houellebecq. Em caso de divisão, farei como Jean-Paul Sartre: recusarei. Dará muita mídia. Sucesso!


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