Dilma no Esfera Pública

Dilma no Esfera Pública

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Taline e eu, ontem, no Esfera Pública, na Rádio Guaíba, entrevistamos durante 40 minutos a presidente afastada Dilma Rousseff. Há muito queríamos conversar com ela. O interesse, antes de tudo, é sempre jornalístico. Vivemos de notícias, de protagonistas, de histórias e de “furos”, como são chamadas as matérias exclusivas no jornalismo. Havia, porém, outro interesse: humano. Eu, até como escritor, sempre penso nas motivações psicológicas dos personagens: o que pensam, o que sentem, o que guardam, o que podem dizer em situação de tensão extrema? Durante a conversa, por telefone, eu parecia sentir a respiração da presidente.

Era como se Dilma, a cada pergunta - do nosso jeito, sem agressividade, em geral, salvo nos dias em que também nós somos sacudidos por nossos fantasmas, mas com firmeza -, se mostrasse um pouco mais como mulher, como pessoa, como quem se procura enquanto se mostra. Sentimos, Taline e eu, uma mulher muito calma, apesar do vendaval. Tínhamos muito para questionar. Conseguimos abordar a maioria dos assuntos que envolvem o destino da presidente: pedaladas, decretos suplementares, impeachment, golpe, erros políticos, possíveis erros na política econômica, traições, alianças, estelionato eleitoral, expectativa de retorno.

Dilma não se escondeu. Deus respostas longas. Procurou explicar, sustentar, esclarecer. Em alguns casos, conseguiu. Em outros, nem tanto. Cada um, bem entendido, fará o seu julgamento. Minha principal curiosidade dizia respeito à célebre sessão na ONU: por que Dilma não denunciou o golpe, conforme a sua leitura da situação, naquele momento oficial? A presidente não hesitou na resposta: para não apequenar o Brasil. Podem me chamar de ingênuo, ou de petralha, como quiserem, mas acreditei. Eu não teria feito como ela. Sob pressão, eu solto o verbo. Certamente por isso nunca serei presidente da República. Só por isso. Dilma vive seu inferno astral. Ontem, porém, podia comemorar o fato de que a comissão de perícia do Senado, no seu parecer, disse que ela não pedalou. Restam os decretos.

Nessas ocasiões, cada um tem sua opinião formada e nem ouve. Antipetistas dispararam mensagens contra a presidente. Petistas, espocaram elogios. Em algum momento, quase ao final, quando questionamos Dilma sobre sua possível frieza, arrogância e falta de disposição para o chamado diálogo político, ou com os políticos, a presidente ficou ainda mais espontânea. Ironizou: “Eu era uma presidente dura no meio de homens meigos”. Não perdeu a oportunidade de denunciar o machismo. Ela era vista como durona. Os homens duros são vistos como firmes. Dilma admitiu ter cometido algum erro, mas não os que lhe atribuem.

Talvez a resposta mais sincera da presidente tenha sido a respeito de Temer: percebeu a possibilidade de traição? Sentiu o perigo? Ela foi categórica: não. A traição, argumentou, é sempre feita pelas costas. Lamentou não ter percebido na famosa carta chorosa de Michel Temer, ou no vazado seu discurso de posse antes do tempo, um sinal. Dilma não mostrou otimismo nem pessimismo. Mostrou apenas que não vai entregar os pontos. Firme ou dura?

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