Do AI-5 aos áudios da portaria

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Porões do novo Brasil

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 Conta-se que em Palomas, vilarejo encantado na fronteira do Uruguai, uma raposa sonhava invadir um galinheiro onde viviam aves soberbas e orgulhosas das suas cores, penas e ovos. Essa raposa, reza a lenda, era mais astuta do que as demais. Parece que era a mais inteligente das raposas de toda a Fronteira Oeste. Costumava dar o tapa e esconder a pata. Avançava e recuava de acordo com seus planos obscuros. Um dia, a raposa percebeu que seu pelo era da cor de uma pedra muito comum em torno do galinheiro. Resolveu então se fingir de pedra.

      Treinou bastante antes de executar o seu plano. Quando se achava em ponto de bala, atacou. Já estava com o corpo inteiro dentro do galinheiro quando o galo cantou três vezes dando o alarme. O rabo da raposa ficara de fora. Moral da história, que todas as histórias de Palomas e de raposas têm uma moral: raposas não negam seus instintos. Jair Bolsonaro votou pelo impeachment de Dilma Rousseff elogiando o torturador mais famoso da ditadura militar brasileira de 1964, o infame e abjeto coronel Brilhante Ustra. Eleito presidente da República, continuou a elogiar aquele que ele tem como uma referência. Tal pai, tal filho. Filho de raposa, raposinha é. Eduardo Bolsonaro, em entrevista, acenou com a volta do AI-5, o mais repressivo dos dispositivos do regime militar que afundou o Brasil por mais de 20 anos, para calar a esquerda.

      Acuado, repreendido até pelo pai, Eduardo raposinha Bolsonaro recuou, pediu desculpas, fingiu-se de pedra. O rabo, porém, está bem visível. Jair Bolsonaro, ao censurar o filho em nome da liturgia do cargo, cometeu um interessante ato falho, embora lamentando a atitude do seu menino de 35 anos, o mesmo que pretendia ser embaixador do Brasil nos Estados Unidos, país onde havia fritado hambúrguer, o que lhe parecia uma boa credencial para o cargo. Disse o contrariado Jair Bolsonaro: “Quem quer que seja que fale em AI-5 tá falando... tá sonhando. Tá sonhando! Tá sonhando!” AI_5 é sonho? Não é pesadelo?

      Pela boca de uma raposa falam todos os exemplares da espécie. Maria Bethânia, que estará na PUCRS nesta semana, canta um clássico: “Sonho meu, sonho meu/Vá buscar quem mora longe/
Sonho meu”. Sonho é isso: sentir saudades do que foi bom e se quer resgatar. Seria Eduardo Bolsonaro uma raposinha muitíssimo esperta ou, ao contrário, uma raposa que se atrapalha com antigos ensinamentos do pai e acaba dizendo o que não devia? Ou faz o chamado balão de ensaio, planta para ver o que colhe, deixa falar o coração de todas as raposas?

      Eduardo deve se confundir: se o pai ensina que não houve ditadura, qual o problema de defender a volta do AI-5, pilar da ditadura que não teria existido? Apologia da ditadura é feio. A raposinha das frases infelizes terá de sofrer um castigo para aprender a esconder o rabo. Outra raposinha, chamada de 02 pelo pai, publica vídeos que deixam o rabo de fora e depois apaga. Outro dia, as raposas chamaram o STF de hiena. Fingiram-se de pedra. O rabo ficou sacudindo. O pai desculpou-se. Uma raposa incomoda muita gente: 01, 02 e 03 incomodam muito mais.

Jair Bolsonaro cancelou assinaturas da Folha de S. Paulo.

Jair Bolsonaro entra em guerra com a Rede Globo.

Globo diz que a voz do porteiro no áudio divulgado por Carlos Bolsonaro para desmentir reportagem não é a do porteiro que disse ter ouvido Seu Jair autorizar a entrada no condomínio daquele que se tornaria um dos suspeitos de matar Marielle Franco.

Antes, o Brasil perguntava: cadê o Queiroz?

Agora, pergunta: cadê o porteiro?

 


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