Dribles da vaca no futebol

Dribles da vaca no futebol

Renato sai, Taison chega

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      Na pandemia, o futebol, que deveria estar parado em estados com contaminações no pico, distrai como nunca. Renato Portaluppi foi mandado embora do Grêmio. Taison está de volta ao Inter. Futebol é paixão e assim deve ser, ainda que esteja na moda tentar transformá-lo em ciência, tudo emanando da cabeça dos treinadores. Nelson Rodrigues, o maior comentarista que o país já teve, sempre citado por Hiltor Mombach, o melhor colunista diário de jornal do Brasil, dizia que o maior defeito do futebol brasileiro era a delicadeza. Eu direi, a certeza. Renato é um grande treinador. Ganhou bastante com o Grêmio. Não basta. O torcedor e os “cientistas” do futebol acham que é preciso ganhar sempre. Taison é muito bom. O racionalista tacanho teria dúvida em trazê-lo de volta. Se não serve mais por lá, estaria acabado.

      Os melhores comentaristas semanais de futebol do Brasil são o Tostão e o Nando Gross. Eles percebem o quanto no futebol jogam o acaso, o detalhe e a complexidade de fatores. Um treinador vai mal num clube e muito bem em outro. O português Jorge Jesus triunfou no Flamengo. Os “cientistas” quase atribuíram a ele todos os louros. O time era excelente. Jesus voltou todo prosa para o Benfica. Tem sido um fiasco atrás do outro, 12 pontos atrás do líder do campeonato português. O grupo é bom. Jesus ficou ruim? O problema do futebol é a certeza. Cada um diz ao oponente: “Deixa com quem entende”. A resposta é: “Então não pode ser contigo”. Nelson Rodrigues enxergava tudo, apesar de míope, por ver com lentes especiais: o olhar complexo. Para compreender o futebol é preciso não se restringir ao futebol.

      Guardiola é gênio. O guardiolismo, uma tragédia. Assim como Guimarães Rosa era gênio. Já o rosismo é letal para a literatura. O ex-jogador argentino Esteban Fuentes diz que Guardiola destruiu o futebol. É um exagero rodriguiano bom para pensar. Se o guardiolismo persistir será preciso adotar uma regra de tempo limite para a posse de bola e a realização de um ataque. Passou, reverte. Renato é um dos melhores técnicos brasileiros. Talvez o melhor do momento. Só atrapalhado pelo ego. A fanfarronice, porém, é a sua marca. Se tiver paciência, pega o Flamengo e aí vamos ver o que poderá fazer. Ba hora dos estrangeiros, sem ter estudado na Europa, Renato perde em argumento de venda. Nelson Rodrigues ficaria chocado com o grau de vira-latismo, conceito que introduziu, vigente entre nós atualmente. A crítica ao vira-latismo não deve ser confundida com xenofobia.

      O português Abel ganhou a Libertadores e a Copa do Brasil com o Palmeiras em pouquíssimos meses, começando a carreira. Em compensação, pagou mico no mundial de clubes e perdeu duas recopas nos pênaltis. Pode-se ganhar com ajuda de treinadores e apesar deles. Só raramente se ganha sem bons jogadores. O futebol clássico tem no drible e seu principal fundamento. O lançamento era a maneira de acelerar o jogo. O futebol moderno adora o passe curto. Tudo pode ser. Se der resultado e jogo bonito. Um dos dois. Ou os dois. Para se entender de futebol é preciso não entender só de futebol.

O grande defeito é a certeza.

Alguns europeus cansaram de seus "gauchões" nacionais e querem uma superliga de grandes. Todos os que apoiam aqui o fim dos estaduais deveriam festejar essa ideia que alija menores e divide o banquete entre gigantes.

O futebol é globalização, dinheiro e marketing.

Três dos quatro finalistas da Liga dos Campeões têm em comum o dinheiro do petróleo árabe. São novos ricos prontos para dar as cartas.

Esse é o esquema tático vencedor.

O ingênuo encantado consigo mesmo diz de quem discorda dele: "Não entende nada". Mas o futebol é o reino do não especialista. Essa é a sua magia.

O argumento de autoridade por autodesignação faz rir.

Tudo se recorta como se quer. Prova-se isto e o contrário em 15 minutos.

Viva a democracia da opinião.

 

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Sugiro a leitura de “Futebol, gestão de competências: o jogo do imponderável” (Sulina”, do professor Elio Carravetta.


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