Esses estranhos humanos

Esses estranhos humanos

Temos hábitos curiosos como queimar ao sol

publicidade

O humano é um ser bizarro.

Sou observador dos nossos hábitos. Estamos na praia, em São Miguel dos Milagres, nas Alagoas. Em qualquer praia, inclusive neste paraíso, humanos fazem coisas estranhas. Nem vou falar do apreço local por Renan Calheiros e seu clã. O assunto é outro. Apesar dos imensos coqueirais que bordam as areias e das mangueiras que espalham sombra generosa, os humanos untam-se de protetor solar, uma meleca que gruda no corpo, e instalam-se, sob o sol escaldante, embaixo de sombras plásticas de guarda-sóis. Ficam assim, na sombra rala, com os pés escapando para fora da zona protegida, bebendo gelados para se aliviar.

      Nas praias movimentadas, como em Copacabana, no Rio de Janeiro, vê-se aquela floresta de sombras artificiais e milhares de pessoas amontoadas em busca de frescor. Isso me faz pensar numa cena de outro dia em Porto Alegre. Era um final de tarde de quase quarente graus. Um desespero climático. Umas cinquenta pessoas amontoavam-se no reduzido espaço de um bar, à sombra de uma lona plástica, uns grudados nos outros, cada palavra sendo ouvida por todos, conhecidos e desconhecidos, cada movimento afetando o conjunto escaldado, esbaforido e só refrescado por litros e litros de cerveja gelada. Quando maior o calor e a lotação, mais se ouvia:

– Sai uma estupidamente gelada, aí!

      Ninguém se acha estranho. Esquisito é sempre o outro. Somos frequentadores de São Miguel dos Milagres há anos. Já escrevi sobre um poeta que todo dia rabisca um poema na areia da praia aqui. Ele continua na ativa. Apareceu de sunga, com uma varinha curta na mão direita, e começou, bem perto de nós, a escrever em espanhol o seu poema do dia, uma ode aos olhos de uma “empleada de una tienda” de olhos de “leyenda” e beleza “arcana”. Fiquei observando a situação. Muitas pessoas passaram pelo poeta. Só uma mulher falou com ele. Ninguém leu o belo poema na areia. Mas todos se desviaram da página no chão evitando pisá-la.

      Passou um homem alto, vermelho camarão, junto com a mulher, que usava um imenso chapéu mais generoso em sombra que muitos guarda-sóis.

– Que sujeito estranho – disse o homem.

      Referia-se ao poeta. Como sou um sujeito esquisito, é provável que eu já tenha falado disso e não me lembre. Esqueço tudo o que é importante. O humano é um ser que desperta a minha atenção. Bizarro é o poeta! Eu o acho extremamente realista. Sabe que tudo passa mesmo. Escreve para o mar apagar. Talvez eu fale com ele algum dia. Não tenho pressa. O que eu poderia lhe perguntar? Por que escreve? Deve ser pela razão que eu. Humanos nunca ficam parados. Quando chegam num lugar já querem saber onde podem ir no dia seguinte. Movem-se sem parar como se picados por insetos.

      Um grupo de ciclistas, cobertos da cabeça aos pés, pedalando na areia grossa e fofa. Passou um pescador em direção ao mar. Não me contive:

– Que vai fazer?

– Pescar.

– Para quê?

– Para comer.

      Que estranho!


Mais Lidas





Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895