Felicidade se constrói

Felicidade se constrói

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Emerson, segue os teus valores



 

Você quer ser feliz e não sabe como por falta de concentração. Filósofo, pastor por algum tempo, e poeta, Ralph Waldo Emerson (1803-1882) dá algumas pistas. Para saber como se chegar lá deve-se ler parte do que ele escreveu: Natureza, Ensaios e Sociedade e solidão. Emerson integrou o grupo de transcendentalistas de Concord, Massachusetts, Estados Unidos, onde passou boa parte da vida, que ganhou dando cerca de 80 conferências por ano sobre os mais variados temas, inclusive, a partir de certo momento, sobre a necessidade de abolição da escravatura. Viajou pela Europa, relacionou-se com grandes intelectuais da sua época, como Thomas Carlyle, foi amigo e protetor de homens como Henry David Thoreau.

Celebridade do seu tempo, Emerson tinha ideias avançadas e passos calculados. Atraiu mulheres para o seu universo intelectual, expôs-se em polêmicas teológicas sobre a divindade de Jesus Cristo, atacou a escravidão, que chamava de “destituição”, e defendeu acima de tudo a natureza contra a sanha do progresso. Quando viu o estrago feito pelos revolucionários de 1848, em Paris, exclamou: “No final do ano vamos fazer um balanço e ver se a Revolução compensa as árvores" cortadas. Tinha também seus laivos otimistas: “A felicidade é um perfume que não podemos espargir sobre os outros sem que caiam algumas gotas sobre nós mesmos”.

Amos Bronson Alcott criou uma comunidade alternativa rural, a “Fruitlands”, onde não se comia carne, não se vestia roupas de lã e couro e não se usava animais no trabalho. Emerson gostou da ideia do amigo, mas previu o fracasso do empreendimento, o que não demorou a acontecer. O projeto, contudo, dá uma boa ideia do que fervilhava na cabeça de Emerson e seu amigos. Eles queriam outra vida, um mundo mais natural, uma existência com poesia, espiritualidade e valores centrados na convivência. Os transcendentalistas, grupo que incluía Emerson, Margaret Fuller, Amos Alcott, Thoreau, Frederick Henry Hedge, Theodor Parker e outros, tentava unir natureza e intuição, individualidade e comunidade, cultura e religião. Emerson escreveu em “Natureza”, um dos seus discursos ou conferências: “Nós andaremos com nossas próprias pernas; trabalharemos com nossas próprias mãos; falaremos com nossas próprias mentes... Uma nação de homens finalmente existirá porque cada um de nós inspira a Alma Divina”.

A felicidade estaria em ser autônomo e em fixar os próprios passos da caminhada sem esoterismo nem purismo. Emerson não acreditava em profetas de um novo mundo perfeito: “Então, vamos todos olhar para o mundo com nossos próprios olhos. Será a resposta para a infinita pergunta de nosso intelecto — O que é a verdade? O que é bom? Construí vosso próprio mundo. Vossa mente adotará enormes proporções quando se desabrochar. Uma revolução nas coisas irá determinar o fluxo dos espíritos”. Simples assim.

A força do caráter – De que barro é feito esse homem capaz de construir a felicidade com as próprias mãos? Em “Caráter”, Emerson explica: “O caráter é esta ordem moral vista na média de um temperamento individual. O indivíduo é um receptáculo. O tempo e o espaço, a liberdade e as necessidades, a verdade e o pensamento já não são deixados a esmo”. Por que não? Pelo fato de que “o universo é um cercado ou circunscrição”. Há um delineamento: “Tudo no homem reflete a própria alma. Com a natureza de que é dotado, procura influenciar todos os seres que o rodeiam; não é inclinado a perder-se na vastidão, mas por maior que seja a curva descrita, volve a atenção para os próprios interesses”. Então, “abarca o mundo assim como o patriarca abarca a pátria, e o considera uma base material para o seu caráter e um teatro para a ação”. O homem de caráter resiste às suas circunstâncias e edifica o seu mundo com seu braço.

Emerson pontifica: “Os homens de caráter são, portanto, a consciência da sociedade a que pertencem”. Só os homens de caráter podem ser felizes? Todos os homens têm caráter? Pode-se conquistar um caráter? Infelizmente nem todos são felizes. Se a sociedade é frívola e fragmentada, o homem de caráter é um marco de unidade. Em consequência, pode ajudar a forjar caráteres, a temperar personalidades. Palestrante, bom orador, Emerson encantava as plateias com boas fórmulas: “Para cada minuto de raiva você perde sessenta segundos de felicidade”. Bem dito.

Se Aristóteles considerava a felicidade como a finalidade da existência humana, Emerson dá uma volta ao dizer que mais importante é tornar-se útil para ter uma vida digna. Em outras palavrinhas simples, não seja egoísta, não se feche para os outros, sirva, respeite, ame, compartilhe, compadeça-se, conviva, sempre resguardando seu jardim do silêncio, e a felicidade se apresentará sem ter sido chamada aos gritos.

O final da vida de Emerson foi duro. Perdeu a memória. Esquecia o próprio nome. Precisou recolher-se. Nada disso tinha a ver com seu caráter nem com seus valores. Eram as circunstâncias da vida, entre as quais, quando ainda estava bem de saúde, um incêndio que destruiu a sua casa. O homem sabia dar conselhos bem práticos como este: “A autoconfiança é o primeiro segredo do sucesso”. A felicidade é um perfume que se captura.

 

 

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