Festa do bode

Festa do bode

Por que ditadores existem?

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Prêmio Nobel da literatura, o peruano Mario Vargas Llosa escreveu uma penca de grandes livros. Dois me fascinam: “Conversa na catedral” e “A festa do bode”. Este é ótima leitura para quem, como eu, estiver em viagem pela República Dominicana. Conta a história do ditador Rafael Leonidas Trujillo Molina, o “pai da pátria” dominicana. Llosa é especialista em tramas políticas. Consegue aliar perfeitamente a tragédia nacional com situações individuais de luta e desespero.

      Escritor de primeira, político de segunda, ideólogo de terceira, Vargas Llosa amarra os diversos fios de uma história com a habilidade de uma bordadeira de mão cheia. Por trás da narrativa, paira sempre uma pergunta não explicitada: como uma população se deixa subjugar? Em “Conversa na catedral”, Zavalita, o jornalista ferrado, parado na porta do seu jornal, pergunta-se: quando foi que o Peru se ferrou. A palavra é outra. Em “A festa do bode”, Urania retorna à ilha que prometera nunca mais visitar. O que procura? O que vê? O que resta?

      Urania caminha pelas ruas da cidade cruzando um antes e um depois que não se casam. República Dominicana e Haiti dividem uma mesma ilha, um passado semelhante, um presente desigual e um futuro incerto. Se a República Dominica teve Trujillo, o Haiti suportou Papa Doc e Baby Doc. As impressões digitais dos Estados Unidos podem ser encontradas nas biografias desses homens que aterrorizaram seus povos. Pode uma nação se libertar dos seus tiranos e ser, enfim, feliz?

      Uma nação não é uma pessoa. Carrega a complexidade das relações e ambições dos que a integram. Alguns, diante do abismo, só pensam em saltar. Outros, conspiram em nome do direito à rebelião contra o arbítrio. Personagens conversam em “A festa do bode”. Dizem assim:

“– Matam nossos pais, nossos irmãos, nossos amigos. Agora também nossas mulheres. E nós, resignados, esperando nossa vez – disseram.

– Nada de resignados, Tony – respondeu Antonio de la Maza. Vinha de Restauración com a notícia da morte de Mirabal, colhida no caminho. – Trujillo vai pagar por isso. Está tudo em andamento. Mas temos de trabalhar direito”.

Os ditadores caem um dia. Em geral, depois de muitos e insuportáveis dias. O estrago fica para sempre. A República Dominicana atual é um paraíso turístico. Guarda certamente belezas naturais da época em que Cristóvão Colombo deu as caras na área. Nada nunca mais seria como antes. A história, porém, não deixa todas as suas pegadas na areia. Quem olha as paisagens maravilhosas não vê os rastros de Trujillo nem os sacrifícios daqueles que tiveram de morrer para livrar a nação da sua dominação. As histórias de Llosa andam às voltas com esse passado latino-americano de ditaduras, de monstros e de lutas.

Um dos escritores da República Dominicana atuais mais conhecidos é Junot Diaz. Ele foi para os Estados Unidos aos seis anos, já ganhou o prêmio Pulitzer, de cuja instituição se tornou presidente, tendo de renunciar depois de uma denúncia de assédio sexual. Ele se justificou dizendo que carrega o trauma de ter sido estuprado quando criança.


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