Golpe mais que perfeito

Golpe mais que perfeito

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Jean Baudrillard refletiu sobre o crime perfeito.

Não fica rastro. Nem corpo.

O cadáver e o criminoso desaparecem por proliferação.

Quando todo mundo é vítima, não há criminoso.

Nem vítima.

Quando todo mundo é criminoso,  não há mais crime.

O mundo evoluiu. Já existe o crime mais que perfeito.

Assim como o golpe mais que perfeito: tão perfeito que não pode ser chamado de golpe.

É impeachment.

O golpe mais que perfeito não usa armas nem militares.

É golpe constitucional, com direito de defesa e transmissão ao vivo.

O golpe mais que perfeito é tão perfeito que, mesmo sendo constitucional e midiático, não exige prova de crime para condenar o acusado nem permite recurso à corte suprema. O presidente do STF preside o júri no qual o beneficiário do golpe atua como acusador e juiz.

A corte suprema controla o rito, mas não julga o mérito.

O golpe mais que perfeito é incontestável.

Julga por uma coisa, condena por outra.

Não admite réplica.

Nem vingança.

Pede colaboração pelo bem geral.

O golpe mais que perfeito permite compreender como foi o primeiro dia depois de um golpe imperfeito. Por exemplo, o dia 2 de abril de 1964. Rojões, "normalidade" e vida que segue.

Sem o inconveniente dos tanques nas ruas, das prisões arbitrárias e da tortura precoce.

No golpe mais que perfeito, sem eleições direitas nem traumas sociais ou tanques nas ruas, um mesmo partido chega ao poder pela terceira vez em 30 anos.

O golpe mais que perfeito transforma presidencialismo em parlamentarismo por uma noite.

Carlos Lacerda tentou muitos golpes. Todos imperfeitos.

Os seus herdeiros superaram o mestre.

O golpe mais que perfeito apresenta-se como um elogio à democracia.

A mídia produz, divulga e comemora.

Os golpes imperfeitos eram do executivo.

No golpe mais que perfeito, o legislativo derruba o executivo, mas não pode ser dissolvido por este. O judiciário veta ministro e afasta deputado, mas os poderes são independentes e harmoniosos.

O golpe mais que perfeito inaugura a democracia hipermoderna.

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