Homem de opinião

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Mínimas do Máximo e outras

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    Tenho falado muito do Máximo, autor de mínimas, que são boas por ocuparem pouco espaço. Até agora disse pouco sobre a personalidade dele. É um homem de palavras. Alheias. É também um homem de escuta: só exprime opiniões de outros. Assim nunca se engana pessoalmente.
    Máximo ficou sabendo que a Comissão de Educação e Cultura do Senado aprovou que o nome do marinheiro João Cândido figure no Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria. João Cândido liderou aquela que ficou conhecida como Revolta da Chibata, em 1910, contra os maus tratos na Marinha. Marcelino Rodrigues Menezes levara 250 chibatadas na frente dos colegas do encouraçado Minas Gerais. Fazia parte do regulamento. Amotinados, os marinheiros tomaram quatro navios e voltaram os seus canhões para o Rio de Janeiro. Exigiam a abolição dos castigos.
João Bosco e Aldir Blanc homenagearam o “almirante negro” na música “O mestre sala dos mares”. Máximo leu que a Marinha é contra a homenagem do Senado a João Cândido com estes argumentos: “A revolta dos marinheiros de 1910 foi, de fato, um acontecimento triste na história do país. Todos os envolvidos, dentre eles a Marinha, setores do governo, os revoltosos e outras instituições tiveram culpas e omissões. Mas, reconhecer erros não justifica avalizar outros e, por conseguinte, exaltar as ações dos revoltosos”. Por esse raciocínio, Máximo acha que não se poderia apoiar as fugas em massa de escravizados nem glorificar homens como Antônio Bento pelo trabalho que fizeram para ajudar na fuga. A Marinha defende que não houve heroísmo no episódio e lamenta a “ruptura do preceito hierárquico”. Máximo, com base em opiniões diversas, acha que a Marinha deveria ter um mínimo de compreensão da história e não se expor ao patético.
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    Entreouvidos numa loja de salame:
– Depende da geopolítica...
– Saci ou Halloween?
– Pode enrolar pra viagem.
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    Era um homem fora de época. Só queria mexer com palavras. Mas estava na era da imagem. Como não se encantar com este trecho de Pierre Michon? “É noite, em outubro. Não totalmente noite, mas um belíssimo entardecer do velho outubro. Domingo, em Montmartre, quase campanha, ninguém nas ladeiras. Quantas árvores: castanheiras ou plátanos que encantam e apertam o coração, amarelos e maltratados no céu azul. Erguem-se na luz. As folhas de ouro correm sob seus pés, a subida parece levá-lo ao céu — e de repente ei-los; quatro ou cinco a subir a ladeira, jovens, todos filhos incorrigíveis, nem monges nem capitães, ainda que todos cobertos com hábitos invisíveis, simplesmente filhos, poetas, como se dizia; Verlaine e Rimbaud, e, além deles, não importa, Forain, Valade ou Cros, e Richepin — que chamam Richoppe. Uniformes pretos, chapéus, aparências claras, tudo isso com resolução em flashes escuros sob o sol”. Prosa poética.
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Conceitos: calote é quando eu não pago o que devo e sofro condenação. Renegociação ou reestruturação é quando um grande não quer pagar tudo o que deve. PEC é quando o Estado dá calote e garante que é pelo bem de todos.
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Que grande perda a de Jaider Esbell, o artista indígena que nos encantou com as cobras na Redenção. Grande descoberta para o mundo: a brasileira Txai Suruí, que brilhou com seu discurso na COP26. Olhares que mudam o olho.

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Com o passar do tempo os prazeres se tornam cada vez mais singelos e paradoxalmente sofisticados, se me faço entender, como dizia um homem na solidão das lembranças: caminhar no frescor das manhãs, sentir uma brisa no rosto, contemplar uma chuva de primavera, olhar o cair do sol sobre o rio, ouvir Beethoven tocado por Nelson Freire, que partiu cedo deixando um imenso legado de beleza e talento. Posso passar tardes ouvindo suas interpretações das sonatas para piano daquele que, do meu modesto ponto de vista, parece o maior compositor de todos os tempos. Freire deixa um rastro de notas cristalinas.

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      O livro que eu compraria na Feira de Porto Alegre se já não o tivesse: “Becos da memória”, de Conceição Evaristo, escritora que devia estar na Academia Brasileira de Letras, de tantos não escritores, por várias razões, entre as quais uma muito simples e objetiva: ninguém escreve melhor do que ela atualmente no Brasil.

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      Candidato da extrema direita à presidência do Chile, o pinochetista José Antônio Kast, que lidera as pesquisas, avisou que vai expulsar os embaixadores de Cuba e Venezuela se chegar ao poder. Fará o mesmo com o embaixador da China? Diante desse cândida pergunta ele sorriu verde. A astúcia ideológica tem um limite: o dos negócios

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      Certas ausências têm força natural. O vácuo faz melhor.

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      Em tempos de Feira do Livro algumas citações são permitidas e até necessárias. Borges: “A solidão era perfeita e talvez hostil, e Dahlmann suspeitou que viajava ao passado e não apenas ao Sul”.

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      Tolstói (“Guerra e paz”): “Nos rostos desses jovens, principalmente nos dos militares, pairava aquela nuança de deferência zombeteira que parece dizer aos velhos: ‘Não vos recusamos nem os respeitos nem as atenções, mas não esqueçais que o futuro nos pertence’”. Os militares de agora só reivindicam o passado. O futuro pertence aos influenciadores digitais, aos neotáticos do futebol e aos novos ideólogos de alguma utopia ainda não definida. A diferença é que eles já não dispensam nem os respeitos nem as atenções aos antecessores. Têm pressa de dominar o mundo para então fracassar.

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      Mínimas do Máximo: o leitor fashion parece, muitas vezes, um adolescente desvairado por um i-phone: só pensa na marca do produto.

 

 


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