Jango e o comunismo

Jango e o comunismo

Presidente deposto pelo golpe em 1964 era um democrata

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Chegamos aos 55 anos da tragédia brasileira de 1964. Escrevi dois livros que tratam do tema: “Jango, a vida e a morte no exílio” (L&PM) e “1964, golpe midiático-civil-militar” (Sulina). Procurei freneticamente algum indício de que havia uma ameaça comunista real rondando o país. Não encontrei. Busquei com a mesma obsessão alguma evidência de que o presidente João Goulart tinha pendores comunistas. Não achei. Jango nunca foi comunista. Não pretendia implantar o comunismo no Brasil. Queria fazer as reformas capazes de alavancar o capitalismo numa economia atrasada.

      John Kennedy, em carta de 22 de outubro de 1962, arriscou: “Quero convidar Vossa Excelência para que as suas autoridades militares possam conversar com os meus militares sobre a possibilidade de participação em alguma base apropriada com os Estados Unidos e outras forças do hemisfério em qualquer ação militar que se torne necessária pelo desenvolvimento da situação em Cuba”. Jango respondeu com altivez: “A defesa da autodeterminação dos povos, em sua máxima amplitude, tornou-se o ponto crucial da política externa do Brasil, não apenas por motivo de ordem jurídica, mas por nele vermos o requisito indispensável à preservação da independência e das condições próprias sob as quais se processa a evolução de cada povo”. Essa postura não nos faz refletir sobre passado e presente?

Teria Jango respondido dessa maneira por nutrir simpatias pelo comunismo e por querer transformar o Brasil numa grande Cuba? Ele tratou de eliminar qualquer dúvida: “O Brasil é um país democrático, em que o povo e governo condenam e repelem o comunismo internacional, mas onde se fazem sentir ainda perigosas pressões reacionárias, que procuram sob o disfarce do anticomunismo defender posições sociais e privilégios econômicos, contrariando desse modo o próprio processo democrático de nossa evolução”. Os Estados Unidos da América veriam nessa manifestação de independência uma clara inclinação ao comunismo. Assim se fez a história.

A imprensa cumpriu um papel determinante. A pesquisadora Alzira Abreu resumiu o quadro da época com precisão: “O contexto político da época era de grande exaltação contra o comunismo e contra a Revolução Cubana. O mundo vivia o confronto entre países ocidentais capitalistas e países comunistas, o que muito contribuiu para exacerbar as posições ideológicas em conflito dentro do Brasil. O anticomunismo foi usado para difundir o medo junto à classe média e para identificar, nas reformas de base, a passagem do regime capitalista para o comunista. Os jornais, com maior ou menor ênfase, participavam da pregação anticomunista”. Foram apresentadas as provas dessa ameaça vermelha? Havia guerrilha instalada?

Não. Até jornalistas que entrariam para o panteão da resistência tiveram seus delírios. Carlos Heitor Cony, em abril de 1964, escreveu: “Até agora, essa chamada Revolução não disse a que veio. As necessidades do País, que levaram o governo inábil do Sr. João Goulart a atrelar-se à linha chinesa do comunismo, não receberam uma só palavra do Alto Comando”. Qual a prova de que Jango pertenceu à “linha chinesa do comunismo”? Nenhuma. Cony era um bom ficcionista. Teve razoável êxito como escritor.

Guerrilheiros e editorialistas – Guerrilheiros preparavam-se para tomar o poder? Joel Silveira liquidou esse álibi: “Quando o General Castro e Silva assumiu a presidência da Subcomissão de Investigações, em Goiás, trazia duas acusações específicas a serem feitas ao Governador Mauro Borges. A primeira, a de que ele havia por omissão ou cálculo, permitido, e mesmo facilitado, a penetração comunista no Estado. A segunda, mais concreta, a de que também permitira, e até comandara, a invasão de fazendas por grupos de camponeses sem terra. Repelindo as duas acusações, Mauro Borges respondeu ao General que ‘nunca a autoridade do Estado fora abalada em Goiás’. E citou o caso de Dianópolis, onde se dizia existir um núcleo de guerrilheiros, problema logo resolvido pelo governo estadual com a intervenção da Polícia Militar e consequente punição dos culpados”.

No Jornal do Brasil, Alberto Dines comandava a guerrilha contra Jango. O JB, antes e depois da derrubada do presidente, publicou coisas assim: “O seu golpe branco, invisível e indolor, começou desde o dia em que ele pôs em funcionamento o seu terrível dispositivo de maquinação, intriga e carícias tirânicas (...) sem jamais ter lido os modernos tratados de tomada de poder, mesmo porque Jango não lia livro algum”.

Moniz Bandeira mostrou outro lado de uma guerra suja: “A direita, sim, formava organizações paramilitares (...) Elementos vinculados ao marechal Odylio Denys armavam os fazendeiros, no sul do país, e o mesmo o almirante Silvio Heck fazia no Estado do Rio de Janeiro e em Minas Gerais, distribuindo petrechos bélicos, conseguidos por intermédio do governador de São Paulo, Adhemar de Barros, e do jornalista Júlio de Mesquita Filho, diretor de O Estado de S. Paulo. Em vários pontos do território nacional havia campos de treinamento para guerrilha, montados, clandestinamente, pelos militares que conspiravam contra Goulart desde 1961”. O horror!


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